
A recente viagem de sua excelência Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina e, logo depois, ao Uruguai trouxe à tona, mais uma vez, a questão do MERCOSUL. Independentemente dos posicionamentos pró ou contra, sempre esteve diante de todos tentar entender qual a real grandeza da proposta desse Bloco, bem como quais considerações negativas podem ser feitas, levando-se em apreço as perdas que podem gerar para os membros que têm capacidade concreta de atuar no mundo de forma autônoma, gerando mais riquezas para si do que se permanecerem atados a um Tratado que signifique apenas um empecilho à busca dos seus interesses nacionais. E, aqui, não há muito o que disfarçar, pois este é o problema que afeta diretamente o Brasil: o Mercosul é benéfico ou um atraso para os brasileiros?
A ideia do Mercado Comum do Sul tem por fundamento que os países signatários, em grupo, representam um mercado mais atrativo para parcerias comerciais pelo mundo, bem como podem gerar ganhos mais expressivos ao articularem suas economias de forma complementar e passarem a negociar acordos externos em coletivamente. O pensamento é simples: juntos podem se posicionar com mais peso e com mais capacidade de negociação do que sozinhos, tendo o atrativo da grandeza de suas sociedades unidas como mercados consumidores.
A questão transita numa aposta de pagar os custos de perdas no presente para conseguir ganhos expressivos em médio e longo prazos e as perdas do presente podem até nem existir, já que todos os membros têm à disposição os mercados dos seus parceiros do grupo, estando conjuntamente abertos entre si, sem bloqueios tarifários ou em processo de extinção das tarifas. A imagem é boa, pois, inclusive, recebe apoio da OMC que considera a criação de blocos econômicos positivamente, uma vez que suas lógicas seguem o princípio da abertura de mercados com diminuição de tarifas até chegar ao ponto de ocorrer abertura total, com zero tarifa e concorrência livre, desde que sigam os fundamentos da própria Organização Mundial do Comércio e busquem, na sequência, a criação de espaços abertos também para os demais países do mundo, assim que a integração do bloco estiver estruturada. A realidade do Mercado Comum do Sul, no entanto, é bem diferente desses pontos poético-filosóficos.
Comparando o Mercosul com a União Europeia, guardadas as devidas proporções e apenas olhando a lógica que orientou a construção dos dois Blocos, lá, na Europa, o processo seguiu um raciocínio baseado em partir do que há de concreto: a solução de problemas técnicos específicos, especialmente de produção, ou seja, eminentemente econômico, com acordos entre países que viviam o mesmo problema e precisavam de uma saída comum, razão pela qual assinaram acordo e criaram instituição para resguardá-lo, daí ter o seu começo com Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1951.
De um problema passou-se para a solução de outros, aplicando técnica similar de abordagem, ocorrendo o que foi chamado transbordamento, seguindo para o momento em que perceberam a necessidade de fazer fusões institucionais, quando a dificuldade tinha recebido uma investida coordenada com outras, e avançando na criação de instituições essencialmente políticas para resguardar e ordenar as demais instituições anteriormente construídas entre os signatários.
Não é à toa que o Bloco começou com um pequeno grupo de países e foi incluindo outros, à medida que o transbordamento ocorria, mas sempre com o cuidado de fazer as inclusões depois que critérios fossem respeitados, pré-requisitos rigorosamente cumpridos e as economias estivem capacitadas a se inserirem dentro de uma cadeia produtiva integrada e dispersada pelo território europeu, com princípios macroeconômicos e políticos similares, bem como capacidade produtiva apta a agregar no bloco em solidificação. Justamente por isso que antes de aceitar ingresso na União Europeia buscava-se observar que a economia do país candidato estivesse capacitada, ou seja, a UE não usaria os recursos dos membros para salvar líderes aliados ideologicamente, auxiliando as economias desses países candidatos incapacitados para participar da empreitada comum.
Além disso, note-se que as instituições eminentemente políticas foram criadas depois e não antes. Elas surgiram para buscar formas de trabalhar politicamente em grupo de países, mas, antes, focava-se uma questão técnica envolvendo produção, distribuição, venda, compra, segurança, circulação de bens, de pessoas, espaços compartilhados, até chegar à perspectiva de uma moeda comum. A sua lógica foi começar pela economia, ou coisas concretas palpáveis, por mais forçado que seja falar assim, e pode-se dizer que os caminhos naturais da produção, distribuição e consumo tinham prioridade em relação à imposição de acordos políticos entre líderes para depois ver o que deveria ser resolvido.
Para o nosso caso, aqui na América, parece que este último caminho foi o escolhido para o Mercosul. Primeiro, juntaram-se os políticos para criar um espaço político onde seriam debatidos os problemas que eles acordariam como sendo os mais importantes. Para dar conta das necessidades de uma nova “Ágora” dos mandatários em negociação foram criadas as estruturas para se reunirem, bem como os cargos de comissão, as prerrogativas, definido o orçamento, locais de reunião, custos envolvidos, além de diárias pelos trabalhos realizados. Em síntese, enquanto na Europa se buscava resolver problemas técnicos para os quais seriam criadas instituições para administrar as soluções, aqui se pensava nas estruturas políticas para resolver problemas políticos e depois buscar os problemas técnicos para serem resolvidos. É uma lógica curiosa, típica de ambientes onde a política se serve do povo ao invés de servi-lo.
O cenário que veio à tona com a visita de Lula à Argentina foi de ficar clara a intenção de focar no Bloco do Mercosul, que até hoje não se sabe se é o cadáver constantemente convulsionado de um natimorto, daí a impressão de estar vivo, ou o corpo enfermo de um eterno moribundo, já que seus problemas concretos são resolvidos com a criação de outros, mais que com soluções para eles.
Acrescente-se ainda que o Presidente brasileiro anunciou que desejará centrar foco no bloco, ainda que com todos os problemas decorrente de uma Argentina que vive hoje com sua economia quebrada, em seus mais de 90% de inflação, bem como com o problema do cenário terrível da Venezuela, que está fora de qualquer análise, já que o Estado venezuelano se mostra como um Estado falido, ficando diante de todos a imagem de que o Brasil poderá estar sendo preparado para salvar os governos argentinos e venezuelanos, apresentando como mola justificadora o Mercosul e sua suposta grandeza, mesmo com as críticas do Uruguai, que já antecipou desejar assinar acordo bilateral com a China, uma vez que o Mercosul, com seus entraves, não está ajudando os uruguaios nem permitindo que eles busquem solução para os seus problemas econômicos, acrescentando que o presidente Luis Alberto Lacalle Pou deixou claro que o Mercado Comum do Sul não tem servido ao seu país e que os principais atores, Brasil e Argentina, não têm buscado dar consistência ao Bloco, mas apenas se servido dele sem resolver os problemas concretos que garantiriam uma integração eficaz.
A resposta do presidente brasileiro, após reunião com o uruguaio, foi de que o Tratado de Livre Comércio buscado por Lacalle Pou com a China deveria ser feito pelo Bloco. Em síntese, vai investir no Mercosul, mesmo que ao custo de ceder às demandas do Uruguai sem estar definido ainda se estas demandas podem sacrificar os interesses do Brasil. A imagem que fica é de que o processo de integração será retomado, mesmo que ele seja custoso para os brasileiros e traga ao Brasil apenas perdas e um dos casos que pode apontar nesta direção é a criação de uma “moeda comum”, apesar de não ser uma moeda real mas uma referência para trocas entre os signatários sulamericanos.
Para maior surpresa veio a declaração sobre a retomada da Unasul, outra aposta integradora com mais custos do que resultados, criando a sensação de que a ressurreição deste corpo que estava quase sepultado virá para dar uma liderança política coordenada e apoio ao… Mercosul! Mais que isso, voltando às propostas de que se deseja uma diretriz lançada por esse organismo sul-americano acerca de política externa comum e segurança coletiva. No entanto, fica neste segundo caso a pergunta: contra quem? Deixando de lado essas interrogações estratégicas, voltemos ao mesmo observatório laboratorial: focando os elementos concretos que envolvem sua retomada, qual o custo para manter essa reavivada estrutura da Unasul? Além disso, qual resultado trará para a dinamização das economias por meio do livre empreendimento, estabelecimento ou manutenção do estado democrático de direito e produção real de desenvolvimento? E, finalizando, em que momento da história burocratas conseguiram o enriquecimento dos seus povos impondo soluções imaginadas em seus escritórios, ao invés de entender e respeitar as construções livremente feitas pela sociedade?
A pergunta feita no início volta para nós: o Mercosul é benéfico ou um atraso para os brasileiros? Da mesma maneira, poderíamos transmutar essa pergunta para: a integração regional é benéfica ou um atraso para os brasileiros? A ideia de integração é positiva, sempre para o mais forte economicamente falando e com instituições políticas estáveis e robustas. Essa ideia esteve presente em muitos momentos da história brasileira, apresentando-se de várias maneiras e poderíamos citar quando na década de 30 do século XX um capitão do Exército brasileiro, chamado Mário Travassos, escreveu um livro de inspiração geopolítica intitulado “Projeção Continental do Brasil”, no qual defendia a tese de que devíamos integrar a América do Sul para ganharmos com o escoamento para a Europa da produção do Pacífico pelo Atlântico, aproveitando os “pasos e os nudos” da Cordilheira dos Andes, sendo os pasos aquelas passagens naturais na cordilheira, e os nudos os centros de dispersão de águas entre os dois oceanos, o Pacífico e o Atlântico.
O objetivo seria trazer a produção do lado oeste da América do Sul para o leste, por meio da criação de uma malha logística que desembocaria nos portos brasileiros, ou seja, uma integração apontando para o Brasil, destacando-se que todos ganhariam com isso e o Brasil não seria usado para salvar amigos ao custo de nosso povo, mas, sim, o instrumento para integrar a distribuição da produção regional para a Europa. Convenhamos isso era interessantíssimo!
Se olharmos este pensamento estratégico, sim, a integração, logo o Mercado Comum do Sul seria positiva para o Brasil, mas desde que se respeitasse alguns princípios: (a) o Brasil, sendo responsável pela metade da grandeza econômica, política e estratégica regional deve ser o condutor do processo e não um “líder virtual” e escravo de demandas salvadores de lideranças com competência questionável; (b) as bases de articulação, reforma e reconstrução de blocos deve seguir a linha técnica, respeitando os caminhos naturais, ou seja, começando pelos problemas econômicos; e (c) que não sejam usados os recursos dos brasileiros para salvar os amigos de seus erros, sendo isso o maior risco que se pode correr, caso se invista nesse erro.
Que não se esqueça que, normalmente, quem tem pena do miserável e ao invés de buscar resgatá-lo para trabalhar e crescer com esforço próprio se dedica a dar esmolas ao custo de seus próprios meios acaba por terminar no lugar dele, ou, no mínimo, ao seu lado!