Um recente estudo divulgado pela revista Neurology trouxe à tona novos dados sobre os efeitos prolongados da depressão em jovens adultos e seu impacto nas funções cognitivas com o passar dos anos. A pesquisa revelou que jovens que enfrentam depressão persistente na juventude podem ter suas habilidades cognitivas e de memória profundamente afetadas quando chegam à meia-idade.
Esses resultados sublinham a necessidade de um olhar atento à saúde mental desde cedo, especialmente entre grupos vulneráveis.
Como se deu o estudo?
Os autores do estudo destacam que o caminho que leva à demência se inicia muito antes dos sinais se tornarem evidentes. Evidências anteriores já sugeriam um risco aumentado de demência entre adultos negros comparados a brancos. Este estudo reforça a ideia de que a exposição prolongada a sintomas depressivos na juventude pode prejudicar a cognição e memória décadas depois, com impacto mais significativo entre adultos negros.
A pesquisa contou com a participação de 3.117 pessoas, com uma idade média inicial de 30 anos. Ao longo de duas décadas, os participantes foram submetidos a avaliações periódicas sobre seus sintomas depressivos, utilizando questionários que abordavam aspectos como apetite, sono e sentimentos de solidão.
Os participantes foram classificados em quatro grupos de acordo com a progressão dos sintomas ao longo do tempo: sintomas persistentemente baixos, médios decrescentes, persistentemente médios e altos crescentes. Notou-se uma maior proporção de participantes negros nos grupos de sintomas persistentemente médios (52%) e altos crescentes (70%).
Após 25 anos, quando a idade média dos participantes era de 55 anos, testes de cognição e memória foram aplicados. Aqueles com sintomas persistentemente baixos tiveram melhores resultados em relação aos que pertenciam ao grupo com sintomas altos crescentes, sugerindo um impacto direto da depressão prolongada na capacidade cognitiva.
Quais fatores contribuem para a desigualdade nos sintomas?
Os resultados apontaram que, entre os participantes negros, aqueles com sintomas elevados apresentaram médias de pontuação 0,64 desvios padrão abaixo dos que mantiveram sintomas baixos. Para os participantes brancos, essa diferença foi de 0,40 desvios padrão. Estes dados sugerem um cenário de maior vulnerabilidade entre adultos negros quanto à progressão dos sintomas depressivos e suas potenciais consequências cognitivas.
- Racismo institucional e estrutural: o racismo sistêmico, presente em diversas instituições e esferas da sociedade, gera um estresse crônico em pessoas negras, aumentando o risco de desenvolver transtornos mentais como a depressão. Discriminação no trabalho, na educação, na saúde e em outros setores da vida, além da violência policial e o encarceramento em massa, são exemplos de como o racismo impacta a saúde mental da população negra.
- Desigualdades socioeconômicas: pessoas negras, em média, possuem menor renda, menor acesso à educação de qualidade e vivem em comunidades com menos recursos. Essas desigualdades socioeconômicas limitam o acesso a serviços de saúde mental, a oportunidades de emprego e a redes de apoio social, o que pode agravar os sintomas depressivos.
- Estresse racial: a experiência constante de racismo e discriminação gera um estresse crônico em pessoas negras, conhecido como “estresse racial”. Esse estresse crônico pode levar a alterações hormonais e fisiológicas que aumentam o risco de desenvolver doenças mentais, incluindo a depressão.
- Estigma associado à saúde mental: a busca por tratamento para doenças mentais ainda é estigmatizada em nossa sociedade, e essa estigmatização pode ser ainda maior para pessoas negras. O medo de julgamento e discriminação pode levar muitas pessoas a não procurar ajuda, o que agrava os sintomas e impede a recuperação.
- Falta de profissionais de saúde mental negros: a falta de diversidade na área da saúde mental pode dificultar a construção de uma relação de confiança entre profissionais e pacientes negros. A representação de profissionais negros pode ajudar a reduzir o estigma e a aumentar o acesso a serviços de saúde mental de qualidade para a população negra.
- Histórico de trauma: a história de escravidão, segregação racial e outras formas de opressão racial gerou um trauma intergeracional na comunidade negra. Esse trauma pode ser transmitido de geração em geração e contribuir para o desenvolvimento de transtornos mentais, incluindo a depressão.
Pesquisas e implicações futuras
Este estudo fornece uma base sólida para investigações futuras sobre a interseção entre saúde mental e funções cognitivas ao longo da vida. Além disso, salienta a importância de tratamentos adequados e intervenções precoces na juventude para reduzir o impacto negativo da depressão prolongada. O acesso equitativo a recursos de saúde mental de qualidade aparece como uma medida crucial na mitigação de riscos futuros, especialmente em populações mais expostas.
A compreensão dos fatores que agravam ou mitigam o impacto da depressão prolongada pode ajudar na formulação de políticas públicas que visem reduzir essas desigualdades e promover um envelhecimento saudável.
Para mais informações:
ÚLTIMAS NOTÍCIAS: