Sim, o título deste artigo está certo. Em uma sessão da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, a senadora Soraya Thronicke disse ao ministro da Fazenda, Fernado Haddad: “Considero o senhor mais liberal do que Paulo Guedes.” O ministro sorriu, sem saber se aquela frase era um elogio ou uma estocada, e continuou a defesa do projeto que isenta de imposto de renda aqueles que ganham até R$ 5.000,00 por mês.
A declaração da senadora desconcertou vários colegas, pois Haddad não é um liberal — e nunca se vendeu como tal. Pelo contrário. Sempre que pode, o ministro dá uma alfinetada em seu antecessor, em especial no quesito sobre privatizações e busca por superávits primários.
Como os economistas Thomas Piketty e Joseph Stiglitz, defende impostos sobre grandes fortunas. E já disse que a busca por superávit primário tem limites: “Não podemos empobrecer a população na tentativa de equilibrar as contas públicas”. Ainda assim, não se pode tachar (com “ch” mesmo) o ministro de um intervencionista keynesiano clássico, pois reconhece fundamentos econômicos defendidos pela chamada Faria Lima e defende a responsabilidade fiscal.
No governo Lula, no qual o esforço em gastar o dinheiro público é algo visto como uma virtude, Haddad se coloca como uma voz destoante, por tentar ser o adulto da sala com alguma frequência. Sua gestão na Fazenda é uma espécie de contenção técnica em meio ao voluntarismo econômico que o presidente da República vocaliza com entusiasmo.
Mas comparar Haddad a Guedes é uma inversão perigosa de valores. Guedes tinha um projeto liberal de verdade, no qual as regras eram desregulamentar, privatizar e simplificar (ao final do mandato de Jair Bolsonaro, é verdade, deu algumas escorregadas, como a PEC Kamikaze). De qualquer forma, ele queria um Estado que saísse do caminho do empresário e criou várias medidas para melhorar o ambiente de negócios. Haddad, por outro lado, recoloca o Estado no centro da economia, com elevação de impostos e criação de regras. Mas tenta fazer isso dentro de limites fiscais. Não defende o livre mercado e sim um Estado que não quebre. É outra coisa.
Essa distinção é essencial: Haddad não é liberal, é uma espécie de keynesiano com limites. Não quer enxugar o Estado, mas trabalha para evitar que a estrutura pública infle até explodir. Enquanto Lula fala em “acabar com o teto de gastos” e expandir programas sem olhar para a dívida, Haddad tenta administrar o estrago. É o que ele acha que dá para fazer.
Seria ótimo se Haddad fosse, de fato, mais liberal que Guedes. O Brasil agradeceria. Mas em um país onde o Estado é obeso, ineficiente e viciado em gastar mal, abraçar o liberalismo — o de verdade, não o de conveniência — seria um ato de coragem. Assim, não se pode chamar Haddad de liberal. O ministro atua como o freio de mão de um governo com o pé colado no acelerador. Mas isso, convenhamos, é melhor que nada.
Se um dia ele decidir trocar o papel de bombeiro pelo de arquiteto — desenhando um Estado mais leve, mais eficiente, mais amigo do setor produtivo — aí sim poderemos dizer que Soraya Thronicke estava certa. Até lá, o comentário da senadora segue sendo apenas um elogio. E talvez, no fundo, um desejo. Difícil de se realizar.