A crise no Oriente Médio ganhou um novo e perigoso capítulo. O Parlamento do Irã aprovou uma resolução que autoriza o fechamento do Estreito de Ormuz — uma das rotas mais estratégicas do planeta, por onde transita cerca de 20% de todo o petróleo consumido globalmente e um terço do gás natural liquefeito (GNL). Embora a medida ainda dependa do aval do Conselho Supremo de Segurança Nacional e do aiatolá Ali Khamenei, o sinal enviado por Teerã já é suficiente para provocar inquietação global.
A decisão iraniana é uma resposta direta à recente ofensiva militar dos Estados Unidos contra instalações nucleares no país — um movimento que rompeu décadas de contenção indireta americana na região e colocou Washington, pela primeira vez desde 1979, em confronto militar direto com o Irã. O pano de fundo, no entanto, é mais longo e complexo: remonta a outubro de 2023, quando o ataque do Hamas a Israel deflagrou uma reação em cadeia.
A ofensiva israelense em Gaza intensificou o apoio do Irã a milícias como Hezbollah e Houthis, além de ampliar o atrito com Tel Aviv. Mas o ponto de inflexão veio com os ataques diretos de Israel ao território iraniano no início de 2025. Em retaliação, Teerã lançou mais de 400 mísseis contra cidades israelenses. “Foram os ataques mais intensos já realizados diretamente entre os dois Estados”, explica João Alfredo Nyegray, professor de Geopolítica e Negócios Internacionais da PUCPR.
A entrada dos EUA nesse conflito marca uma ruptura histórica. “Com cerca de 40 mil militares americanos alocados em bases no Golfo, Washington assume agora o risco de abrir múltiplas frentes de vulnerabilidade. O Irã, mesmo enfraquecido, possui meios de retaliação assimétrica que podem incluir ataques a essas bases, a aliados regionais e a ativos estratégicos de Israel e EUA em outros continentes”, analisa Nyegray.
É nesse contexto que o Estreito de Ormuz se torna o epicentro de uma disputa que transcende fronteiras. Geograficamente, trata-se de uma faixa estreita de mar entre o Irã e Omã, conectando o Golfo Pérsico ao Oceano Índico. Embora seja considerado mar internacional, o Irã detém controle sobre a costa norte e possui infraestrutura bélica capaz de interditar temporariamente a passagem de navios. Isso inclui mísseis antinavio, minas navais, drones, submarinos e o uso de lanchas rápidas da Guarda Revolucionária — além da atuação indireta de aliados como os Houthis, que já vêm atacando cargueiros no Mar Vermelho.
Irã não é “dono” do Estreito de Ormuz
Embora o Irã exerça forte presença na região, o Estreito de Ormuz não pertence exclusivamente ao país. Trata-se de uma passagem estratégica localizada em águas internacionais, o que significa que, pelo direito marítimo, nenhum Estado tem o direito legal de impedir o tráfego comercial. No entanto, o Irã controla a costa norte do estreito e mantém forças militares posicionadas ao redor, incluindo baterias de mísseis antinavio, submarinos, drones e lanchas rápidas da Guarda Revolucionária. Além disso, o país tem histórico de uso de minas aquáticas, que podem ser lançadas de forma rápida e silenciosa, criando zonas de risco para petroleiros e cargueiros. Embora o fechamento formal do estreito seja proibido pelo direito internacional, o poder de dissuasão iraniano está na capacidade de tornar a passagem insegura — ou até letal — para navios que atravessam a região. Esse é o verdadeiro poder que Teerã explora: não é preciso fechar legalmente Ormuz; basta tornar sua travessia economicamente inviável ou militarmente arriscada.
Do ponto de vista econômico, os efeitos de um eventual fechamento seriam imediatos e de grande escala. O professor Hugo Garbe, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, alerta que “qualquer bloqueio efetivo dessa rota compromete não apenas o suprimento físico de energia, mas afeta diretamente os mecanismos de formação de preços nos mercados futuros, a confiança nos contratos internacionais e, por extensão, a estabilidade monetária em diversas jurisdições.”
Segundo estimativas de bancos internacionais como o JPMorgan, o barril tipo Brent pode saltar para a faixa entre US$ 120 e US$ 130 caso o fluxo seja interrompido. E mesmo sem a execução plena da ameaça, os efeitos antecipatórios já estão em curso: aumentam os prêmios de risco geopolítico, empresas ajustam suas estratégias de hedge e os bancos centrais de países importadores veem sua margem de manobra diminuir. “A inflação importada, via preços de energia, tende a reduzir a margem de manobra para políticas expansionistas, especialmente em países emergentes com fragilidade fiscal”, pontua Garbe.
Ele destaca ainda que o Irã, ao ameaçar Ormuz, atua em uma nova lógica de guerra — não mais apenas militar, mas econômica. “A disrupção de cadeias de suprimento não é apenas um efeito colateral de conflitos, mas uma estratégia deliberada de maximização de impacto com custos operacionais relativamente baixos”, afirma. Para o professor, a economia globalizada, ao se tornar mais eficiente, também se tornou vulnerável: “O Irã posiciona-se não apenas como ator militar regional, mas como agente de ruptura econômica global. A economia tornou-se tanto o meio quanto o fim da disputa por hegemonia.”
O Brasil, apesar de exportador de petróleo bruto, é importador líquido de derivados e altamente sensível a variações nos preços internacionais. A alta no petróleo eleva os custos dos combustíveis, impacta o transporte, pressiona a inflação e dificulta a gestão fiscal e monetária. Para países em desenvolvimento, o risco de “choque externo via energia” se torna mais uma variável a ser considerada na formulação de políticas.
Veja mais notícias aqui. Acesse o canal de vídeos da BM&C News.
 
			



 














