A leitura pública de uma carta escrita de próprio punho por Jair Bolsonaro, na qual declara apoio explícito à candidatura presidencial do filho Flávio Bolsonaro em 2026, encerra uma dúvida que vinha sendo alimentada por meses. Não se trata de um gesto improvisado, nem de um cálculo de ocasião. É a formalização de algo que, na prática, já estava desenhado: o bolsonarismo tem um líder e decidiu preservar o seu legado por meio de um sucessor direto.
Houve quem apostasse que Bolsonaro poderia optar por um nome eleitoralmente mais competitivo, como Tarcísio de Freitas. Essa leitura, no entanto, parte de uma premissa equivocada. A principal preocupação de Bolsonaro não parece ser maximizar as chances estatísticas de vitória, mas garantir continuidade política, simbólica e identitária. O bolsonarismo não é apenas um agrupamento eleitoral; é um movimento que se construiu em torno de uma liderança pessoal. E líderes desse tipo, quando escolhem sucessores, priorizam confiança e fidelidade ao projeto, não apenas potencial de mercado eleitoral.
Ao indicar o próprio filho, Bolsonaro sinaliza que não está abrindo mão do comando do campo que criou. Flávio, goste-se ou não dele, representa essa linha direta. E os números disponíveis hoje reforçam a escolha: entre os nomes da direita, ele aparece com mais intenção de voto do que alternativas frequentemente citadas. Isso ajuda a explicar por que a decisão tende a se manter, independentemente de pressões do Centrão, de análises da imprensa ou de avaliações técnicas de estrategistas.
Do outro lado do tabuleiro, essa definição também interessa ao presidente Lula. A polarização foi o motor da eleição de 2022, e tudo indica que continuará sendo. Lula e Bolsonaro carregam rejeições elevadas e bases eleitorais muito mobilizadas. A lógica, portanto, é conhecida: não se vence tanto por ampliação de apoio, mas pela rejeição do adversário. Mesmo com a transferência de protagonismo para Flávio, que não tem o mesmo carisma nem o mesmo teto eleitoral do pai, o campo bolsonarista aposta que a polarização se manterá viva.
Essa escolha, por consequência, reorganiza todo o cenário político. Tarcísio, fora da disputa presidencial, tende a buscar a reeleição em São Paulo, onde desponta como favorito. Isso obriga o PT a montar palanque competitivo no maior colégio eleitoral do país, tanto para o governo estadual quanto para o Senado. Outros nomes, de centro e de direita, dificilmente abandonarão a corrida, mas passam a disputar espaço num ambiente já fortemente tensionado entre dois polos.
O efeito mais evidente é a antecipação formal da eleição de 2026. A campanha começou. Não por calendários oficiais, mas por fatos políticos. A carta lida na porta do hospital não foi apenas um gesto familiar ou simbólico; foi um marco. Ela cristaliza a estratégia de Bolsonaro, reforça a lógica da polarização e empurra o sistema político para uma disputa que se assemelha, em essência, à de 2022.
Resta agora observar como essa decisão afetará as taxas de rejeição e a capacidade de mobilização de cada lado. Mas uma coisa já parece clara: o bolsonarismo fez sua escolha, Lula agradece a previsibilidade do confronto, e o Brasil entra, mais uma vez, numa eleição definida menos por convergências e mais por antagonismos.
*Coluna escrita por Miguel Daud, comentarista de economia e política na BM&C News
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