Desde que Flávio Bolsonaro entrou em campo na corrida eleitoral de 2026, o que se viu foi uma confusão de respeito no cenário político. Bolsa e dólar oscilaram e a Faria Lima viveu momentos de tensão. Em resposta, o Centrão se movimentou para retirar o filho de Jair Bolsonaro na disputa: ressuscitou e aprovou uma pauta adormecida, a da dosimetria das penas dos envolvidos na chamada trama golpista (que deve beneficiar o ex-presidente). A ideia, com este e outros gestos, é sensibilizar o candidato do clã Bolsonaro a desistir da disputa.
Por enquanto, a candidatura de Flávio continua, mas ninguém sabe ainda se vai o senador ficará na contenda até o final. Nas redes sociais, vê-se um movimento forte de apoio a ele, mas restrito à bolha bolsonarista. A lógica do Centrão é a de que um nome ligado de forma umbilical ao bolsonarismo não teria chances em segundo turno contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (uma análise que parece ser consistente).
Muitos líderes políticos acreditam que o senador possuiria votos suficientes para ir à etapa final das eleições, mas não teria fôlego para derrotar Lula, em função da rejeição que ainda existe a seu sobrenome. É por isso que insistem tanto em ter o governador Tarcísio de Freitas à frente de uma chapa que representasse o centro e a direita.
Ocorre que existe uma corrente que se vê bem mais representada por Flávio do que por Tarcísio – é o grupo do bolsonarismo raiz. São eleitores mais radicais de direita que acham Tarcísio moderado além da conta. Caso o senador retire sua candidatura, este eleitorado até apoiaria o governador, mas ficaria órfão.
A ideologia, assim, ficaria em segundo plano, perdendo para interesses partidários mais pragmáticos. Trata-se de um efeito colateral do modus operandi do Centrão: fazer acordos que podem render dividendos eleitorais, deixando a coerência ideológica de lado.
Recentemente, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro protagonizou um episódio com enredo que tem a ver com esta questão, ao se rebelar contra um acordo feito pelo PL para apoiar a candidatura de Ciro Gomes ao governo do Ceará. Neste caso, porém, a ideologia venceu, pelo menos por enquanto. Diante da insatisfação de Michelle, o apoio a Ciro foi suspenso.
Trocar convicções ideológicas pela ótima pragmática, na base do imediatismo, pode gerar resultados satisfatórios. Mas, no longo prazo, podemos sair perdendo, deixando de lado grandes objetivos do futuro em troca de prioridades do presente.
Quando o pragmatismo se torna excessivo, o país corre o risco de perder sua identidade política e cultural. A história mostra que nações que se guiaram apenas por cálculos imediatos acabaram fragilizadas em momentos decisivos. A França pós-Revolução, por exemplo, mergulhou em sucessivos períodos de instabilidade porque faltava uma base ideológica sólida que sustentasse as mudanças.
Da mesma forma, em diversos momentos da América Latina, acordos de conveniência sufocaram projetos de longo prazo, resultando em crises institucionais e econômicas que poderiam ter sido evitadas com uma visão mais consistente de futuro.
É nesse ponto que a ideologia se revela indispensável. Edmund Burke, considerado um dos pais do conservadorismo moderno, escreveu que “um Estado sem os meios de mudar não tem os meios de se conservar”. Sem ideologia, a política se reduz a uma sucessão de arranjos circunstanciais, incapazes de construir um projeto nacional duradouro.
Um país que abandona suas convicções em nome de ganhos imediatos pode até sobreviver no curto prazo, mas dificilmente prosperará. A ideologia, quando equilibrada com a prática, é o que dá sentido às escolhas coletivas e garante que o pragmatismo não se transforme em mero oportunismo.
*As opiniões transmitidas pelo colunista são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a opinião da BM&C News.













