Durante anos o mundo associou pressão inflacionária ao petróleo e à oscilação do barril. Depois da pandemia, o frete entrou no radar como vetor de preços, mas foi tratado como acidente de percurso ligado ao caos logístico. O cenário atual é distinto e ganhou foco no Painel BM&C, apresentado por Paula Moraes, com Bruno Musa, Roberto Dumas e o convidado especial Alexandre Espírito Santo, que apontaram uma nova etapa em que logística e insumos estratégicos passam a compor um mecanismo deliberado de poder.
A China anunciou taxas especiais sobre navios norte-americanos e, ao mesmo tempo, restringiu licenças de exportação de terras raras, componentes críticos para turbinas, semicondutores, carros elétricos, mísseis e inteligência artificial. Além disso, os navios construídos na indústria naval chinesa ficam isentos, o que sugere incentivo à adesão de armadores e operadores à sua cadeia. Nesse sentido, a mesa avaliou que o tabuleiro deixou de ser apenas comercial para se tornar geoeconômico.
Geopolítica: estamos diante de uma guerra econômica?
Para Roberto Dumas, há um choque entre bravata e estratégia. Por um lado, tarifas anunciadas em percentuais elevados nos Estados Unidos sinalizam endurecimento retórico. Por outro lado, Pequim reage com medidas que reconfiguram incentivos no comércio marítimo e nos minerais críticos. Enquanto isso, os efeitos práticos recaem sobre cadeias de produção e custos de transporte, importando inflação para economias já pressionadas e elevando a volatilidade dos ativos.
Bruno Musa argumentou que a dinâmica atual se aproxima de um perde-perde. A disputa testa resiliência de potências que possuem naturezas políticas diferentes. Além disso, o peso das cadeias críticas dá à China instrumentos de barganha relevantes. Ainda assim, o Painel ponderou que negociações tendem a buscar algum reequilíbrio tático após movimentos mais duros, o que não elimina riscos de novas rodadas de medidas.
Alexandre Espírito Santo conectou o conflito ao pano de fundo monetário. Na visão dele, o ambiente global permanece marcado por inflação acima das metas e juros em patamares elevados, cenário frequentemente descrito como higher for longer. Por outro lado, cortes de juros iniciados sem convicção clara podem corroer credibilidade e reativar pressões de preços, especialmente se políticas fiscais seguirem expansionistas.
Frete, minerais e preços ao consumidor
Os convidados destacaram que a combinação de encarecimento do frete e restrições a insumos estratégicos tende a pressionar a produção de bens intensivos em tecnologia. Além disso, setores como automotivo, aeroespacial e de energia podem enfrentar custos maiores e prazos mais longos. Enquanto isso, empresas e governos revisitam estoques, fontes alternativas e contratos de fornecimento, o que realimenta o ciclo de custos num horizonte mais longo.
- Logística mais cara amplia o preço final de bens transacionados
- Regras para exportação de minerais críticos afetam semicondutores e energia limpa
- Volatilidade aumenta o prêmio de risco e renumera estoques estratégicos
Além disso, o Painel também lembrou que choques simultâneos em logística e insumos têm efeito cumulativo. Nesse sentido, medidas defensivas de curto prazo das empresas podem se transformar em decisões estruturais, como realocação de plantas e diversificação de fornecedores, o que redesenha fluxos de comércio.
Liquidez, ouro e a busca por porto seguro
Dumas e Espírito Santo chamaram atenção para a liquidez ainda abundante nos mercados. Por outro lado, a composição de reservas e a preferência por ativos reais voltaram à pauta. O ouro foi citado como instrumento de diversificação em ambientes de incerteza prolongada. Enquanto isso, a correlação entre classes de ativos mostra sinais de instabilidade, exigindo leitura cuidadosa de portfólios diante de choques geopolíticos e fiscais.
O debate também abordou criptoativos e moedas e a aparente contradição entre a crítica ao dólar e seu uso como denominação de referência para a precificação global. Nesse sentido, os convidados observaram que não surgiu uma alternativa plenamente funcional para substituir o papel do dólar na liquidez internacional, o que mantém a moeda no centro do sistema, mesmo sob questionamentos.
Como a geopolítica toca o Brasil e os mercados
No plano doméstico, a mesa relacionou geopolítica e preços com o nosso regime de metas de inflação. Enquanto o câmbio mais apreciado ajuda a segurar componentes sensíveis como alimentos e bens industriais, o quadro pode se reverter se a disputa global elevar custos de importados e reduzir apetite por risco. Além disso, a combinação de incerteza externa e dúvidas fiscais internas tende a ampliar prêmios exigidos por investidores.
Os participantes lembraram que a ancoragem de expectativas depende de coerência entre política monetária e fiscal. Nesse sentido, ajustes parciais ou medidas parafiscais que mantêm a demanda aquecida podem postergar a desinflação e adiar cortes sustentáveis de juros. Por outro lado, a consolidação fiscal com sinais críveis reduziria a sensibilidade do país a choques de oferta importados e a oscilações de fluxo.
Para o investidor, o recado foi pragmático. Além disso, diversificação entre ativos reais e financeiros, gestão ativa de prazos e atenção a cadeias sensíveis a frete e minerais críticos tornam-se centrais. Enquanto isso, a leitura de riscos deve incluir a possibilidade de episódios de volatilidade aguda, mesmo em janelas de aparente calmaria nos índices.
Qual é a principal lição para a próxima fase
O Painel BM&C convergiu na ideia de que logística e insumos estratégicos se tornaram instrumentos explícitos de dissuasão econômica. Nesse sentido, a fronteira entre comércio e geopolítica ficou mais tênue, e o preço do frete, das terras raras e do capital passou a refletir disputas de poder. Por outro lado, o equilíbrio macro exige disciplina fiscal e monetária para amortecer choques e preservar credibilidade, condição sem a qual o custo de financiamento sobe e a inflação volta a ganhar tração.
No curto prazo, o investidor precisará navegar um ambiente de incerteza com foco em qualidade e resiliência. Além disso, empresas expostas a cadeias globais devem revisar mapas de risco, fornecedores e contratos. Enquanto isso, governos serão testados na capacidade de coordenar políticas que evitem a armadilha de choques sequenciais e da dominância fiscal. A política econômica que melhor combinar previsibilidade com flexibilidade terá vantagem quando a maré da geopolítica mudar novamente.