O ano de 2025 marcou o fiscal no centro do debate econômico no Brasil. A combinação entre revisão de metas, maior pressão sobre gastos obrigatórios e a piora consistente das projeções de dívida/PIB reposicionou a política fiscal como o principal risco percebido pelo mercado, à frente até de variáveis externas em diversos momentos do ano.
Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, esse movimento não começou agora. A virada ocorreu ainda em 2024, quando o governo passou a flexibilizar sua postura em meio à queda de popularidade e à pressão por mais gastos. Agostini lembra que 2023 começou com discurso de austeridade, mas esse sinal se desfez rapidamente.
“Quando começou a ter queda na popularidade, o Lula agiu e abriu o cofre. A partir dali, a expansão de programas sociais, o aumento do custeio da máquina pública e a dificuldade de entregar previsibilidade deterioraram a percepção fiscal.”, afirma.
O arcabouço, lançado em 2023 e colocado em prática em 2024, perdeu força por sucessivas flexibilizações e pela tendência do governo de sempre mirar o piso da meta.
Em 2025, o debate se intensificou porque a relação dívida/PIB continuou avançando sem perspectiva de estabilização e porque o mercado esperava um programa robusto de corte de gastos no fim de 2024, mas recebeu, em vez disso, isenção de IR acompanhada de novos aumentos de impostos. Para Agostini, esse movimento foi decisivo.
“O Haddad lançou isenção de IR, mas também elevou impostos. Isso acabou sendo um tiro no pé”.
A credibilidade fiscal se fragmenta
A percepção de risco fiscal ganhou força após revisões de metas, sinalizações de aumento de gasto e dúvidas sobre a execução do arcabouço fiscal. O governo enfrentou dificuldades em mostrar previsibilidade e, ao mesmo tempo, preservar o compromisso com contenção de despesas, sobretudo diante de pressões corporativas e políticas em ano pré-eleitoral.
O desgaste de 2025 não tem um único culpado. Revisão de metas, execução frágil do arcabouço e aceleração da dívida formaram um conjunto que corroeu a confiança.
“Se a dívida avança, é porque o plano não funciona. Revisar metas reforça que o sistema é frágil. E quando se usa medidas parafiscais para retirar gastos do cálculo, a credibilidade fica comprometida”, avalia Agostini.
O papel do Legislativo também pesa
Agostini também destaca o avanço contínuo da fatia do Orçamento destinada às emendas parlamentares tem contribuído de forma relevante para a deterioração do equilíbrio das contas públicas. Pelas projeções, as despesas discricionárias totais caem de R$ 208,3 bilhões em 2026 para apenas R$ 8,85 bilhões em 2029. Quando se descontam as emendas individuais, de bancada e de comissão, o quadro se agrava: o espaço líquido passa de R$ 155,3 bilhões em 2026 para um saldo negativo de R$ 52,8 bilhões em 2029.
“Isso também pressiona o fiscal e deixa claro que a responsabilidade pelo desequilíbrio nas contas não recai exclusivamente sobre o Executivo“, pontua.
Curva de juros absorve o risco: prêmio maior, prazo mais sensível
O resultado desse processo foi direto nos ativos domésticos. A curva futura de juros, especialmente os vértices médio e longo, passou a refletir, de imediato, qualquer ruído político e fiscal.
Como explica Agostini, o investidor entende que, diante do aumento do custeio e da ausência de cortes de despesas, o governo dependerá estruturalmente de mais endividamento.
“O prêmio de risco aumenta porque não há perspectiva de estabilidade da dívida bruta”, diz.
Essa percepção se acumula desde antes de 2025, mas foi neste ano que o mercado deixou claro que não pretende mais dar benefício da dúvida.
Bolsa sente impacto, mas o alívio veio do exterior
Na renda variável, o quadro fiscal pressionou a bolsa de forma generalizada ao longo do período. Com o aumento da percepção de risco, a curva longa de juros passou a embutir prêmios mais elevados, reduzindo a atratividade da renda variável frente à renda fixa.
O avanço dos juros também elevou o custo de capital e pressionou a inflação, fatores que acabaram limitando o desempenho das ações como um todo.
“O movimento só não foi mais negativo porque o cenário externo trouxe alívio: a queda dos juros nos Estados Unidos impulsionou os mercados globais, favoreceu emergentes e contribuiu para uma valorização da bolsa brasileira. Somado ao fim do tarifaço também ajudou a melhorar o ambiente para os ativos de risco“, avalia Agostini.
Estrangeiros: fiscal pesa mais que política?
Ao longo do ano, investidores internacionais ajustaram posições conforme a percepção fiscal oscilava. Momentos de maior tensão política ou fiscal coincidiram com saída de capital, enquanto episódios de alívio favoreceram entradas táticas.
Para o economista, o investidor estrangeiro ainda não está precificando 2026 como risco político, embora monitore a sucessão. A incerteza eleitoral, com pesquisas ainda voláteis, dificulta projeções. O fiscal, por outro lado, é concreto.
“Hoje, o peso maior é o fiscal. O risco político será precificado com mais intensidade no ano que vem, conforme as pesquisas forem saindo”, afirma.
MP do IOF expõe falha de coordenação e pressões internas
O desgaste político entre Executivo e Congresso também influenciou a leitura fiscal. Episódios como a MP do IOF foram entendidos pelo mercado como sinal de perda de coordenação política e reforçaram a percepção de risco institucional. Esse acúmulo de ruídos elevou o prêmio exigido para investir no Brasil, pressionando juros e câmbio em momentos decisivos do ano.
Entre os episódios que simbolizaram o desgaste fiscal de 2025, a MP do IOF tornou-se um marcador da descoordenação interna no governo. Para Agostini, a medida revela o atrito entre a ala gastadora e o Ministério da Fazenda.
“Há um grave erro de coordenação. O governo nunca quer ajustar o desequilíbrio pela despesa, apenas pela receita.“, destaca Agostini.
A lição de 2025: desconfiar das promessas
A principal lição deixada por 2025 foi clara: sem credibilidade fiscal, os ativos brasileiros se tornam mais voláteis e exigem prêmio adicional. A convergência da dívida, a previsibilidade de metas e o compromisso com o arcabouço voltam a ser condições necessárias para reduzir juros, estabilizar o câmbio e atrair fluxo estrangeiro de forma consistente.
“É difícil acreditar nas promessas. Sempre se usam os mesmos mecanismos: bloqueio, congelamento, medidas parafiscais. Nada mudou nos últimos 40 anos. Talvez a lição seja que tudo que vem da área fiscal precisa ser relativizado.”, afirma.
2026 começa sem espaço e sem expectativa de virada fiscal
Olhando à frente, Agostini não vê espaço para recuperação da credibilidade no próximo ano. O orçamento de 2026 já nasce apertado, com despesas obrigatórias consumindo o espaço das discricionárias e com poucas margens para ajustes relevantes.
“Dificilmente veremos algo que recupere a credibilidade fiscal em 2026”, afirma.
Ele considera que um amplo programa de desestatização ou uma reforma administrativa seriam caminhos reais para reverter expectativas, mas não vê sinal de que ocorram.
Para completar a retrospectiva, Agostini deixa um alerta claro para o investidor: a dívida não vai estabilizar e, por isso, o mercado terá de reprecificar o risco novamente.
“No segundo semestre, com o cenário eleitoral mais definido, o investidor vai ter que reprecificar os prêmios de risco”, afirma.
2025 consolidou a percepção de que o fiscal voltou a comandar o mercado
O ano termina com uma mensagem inequívoca: juros, câmbio, bolsa e fluxo estrangeiro reagiram menos ao exterior e mais ao fiscal. O país volta, assim, ao velho dilema: sem disciplina nas contas públicas, credibilidade se perde rápido, mas demanda anos para ser reconstruída.












