O atual arcabouço fiscal brasileiro é insustentável e já projeta insuficiência a partir de 2027, segundo relatório divulgado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal. O estudo alerta para o crescimento acelerado das despesas obrigatórias e discricionárias, que colocam em xeque a capacidade de cumprimento das metas fiscais. Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, esse diagnóstico apenas confirma o que já se observava desde a criação do novo regime.
“A sustentabilidade hoje está comprometida por conta da estrutura do arcabouço fiscal que não consegue conter a expansão de gastos. Ele depende demais de arrecadação, de um ajuste ousado e inviável”, afirmou Vale.
Segundo ele, os déficits recorrentes nos últimos anos e o nível elevado da dívida mostram que o modelo atual não entrega estabilidade fiscal. “A taxa de juros segue alta por causa do risco fiscal. Sem superávit significativo, a trajetória da dívida se agrava”, completou.
“Arcabouço já nasceu morto”, diz economista
Questionado sobre a viabilidade do atual modelo, especialmente diante da volta dos precatórios ao teto de gastos em 2027, Sérgio Vale foi categórico: “O arcabouço já nasceu morto. Já era mal desenhado desde 2023”.
Para ele, a estrutura aprovada no início do governo Lula falhou ao criar um regime que depende de metas inalcançáveis, crescimento automático de despesas em 2,5% ao ano e uma série de exceções, como os precatórios fora do cálculo, que tornam o controle ineficaz.
“Vamos precisar fazer um novo arcabouço em 2027, seja com Lula ou qualquer outro presidente. E será um ajuste bem mais duro que o de 2023. Quanto mais adiar, mais difícil e doloroso será esse ajuste”, alertou.
Além do arcabouço: metas do PLDO são inatingíveis, avalia MB Associados
O relatório da IFI classifica como “inatingíveis” as metas fiscais previstas no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026 a 2029, que indicam superávits crescentes, chegando a 1,25% do PIB. Sérgio Vale concorda.
“Ano que vem já será um problema. O governo teria que fazer um contingenciamento muito pesado, o que é improvável em ano eleitoral. A chance de mudar as metas em pleno 2026 é alta”, disse.
Para o economista, os números são simbólicos e não devem ser levados como compromissos reais. A solução, segundo ele, passa por uma reforma que enfrente os gastos obrigatórios, o sistema tributário e as emendas parlamentares.
“Vamos precisar de algo que envolva Executivo, Legislativo e até o Judiciário, senão não teremos um arcabouço duradouro”, acrescentou.
Sérgio traz outro ponto para a discussão, mesmo com o corte de R$ 31,3 bilhões já anunciado no orçamento de 2025, a IFI projeta déficit de R$ 83 bilhões, e indica a necessidade de novas medidas no segundo semestre. Sérgio Vale também acredita que mais cortes virão.
“O déficit ainda será elevado este ano, mesmo com o contingenciamento já feito. Vai ser preciso um novo bloqueio de pelo menos R$ 20 bilhões. Estamos fazendo esforço fiscal todo ano para manter um déficit alto. Isso mostra o quão longe ainda estamos de um ajuste real”, explicou.
Arcabouço fiscal no radar: clima político inviabiliza reforma antes de 2027
Para o economista da MB Associados, não há margem política nem ambiente institucional para discutir uma reforma fiscal de fato até 2026. O cenário eleitoral, segundo ele, deve dominar a agenda a partir do segundo semestre.
“Ajuste fiscal agora é impossível. Vamos viver só de bloqueios e contingenciamentos até o fim de 2026. O Congresso já entra no modo eleitoral, e com toda a incerteza envolvendo Lula, Bolsonaro e o Judiciário, não há espaço para reformas estruturais”, afirmou.
A previsão de Vale é que, diante do esgotamento do modelo atual, o próximo governo, seja de continuidade ou não, terá que assumir o custo político de um novo arcabouço. E com muito menos espaço para postergação.