As cidades inteligentes são apresentadas como a solução para os grandes problemas urbanos do século XXI. Com sensores, dados em tempo real e algoritmos, elas prometem eficiência, sustentabilidade e qualidade de vida.
Mas na prática, essa revolução tecnológica corre o risco de aprofundar divisões sociais já existentes. Sem acesso digital universal e políticas públicas inclusivas, a promessa das smart cities pode se transformar em um paradoxo urbano: cidades mais inteligentes, mas também mais excludentes.
O que são cidades inteligentes e como elas podem ampliar desigualdades
Uma smart city integra tecnologias da informação e comunicação para otimizar o uso de recursos públicos, melhorar a mobilidade, aumentar a segurança e digitalizar os serviços. No entanto, quando mal planejadas, essas soluções só beneficiam quem já está conectado.
Estudos como o publicado pela Fiocruz mostram que comunidades com baixa conectividade acabam invisíveis para os sistemas digitais. Isso pode significar desde exclusão de programas de benefício social até ausência em mapas de coleta de resíduos ou policiamento preventivo.
Sem acesso pleno à internet e alfabetização digital, parte da população é sistematicamente deixada para trás — tornando-se “invisível” para os algoritmos que hoje tomam decisões urbanas.
A exclusão digital como fator econômico
A desigualdade digital tem impacto direto na economia urbana. Profissionais sem habilidades tecnológicas têm dificuldade de se inserir em mercados de trabalho digitais. Microempreendedores que não conseguem operar online perdem clientes e competitividade.
Em regiões com baixa infraestrutura digital, o investimento em startups, delivery, fintechs e e-commerce é significativamente menor. Dados da McKinsey apontam que a falta de acesso à economia digital pode representar uma perda de até 6,7% no PIB das cidades emergentes.
Além disso, serviços públicos 100% digitais — como agendamentos médicos, solicitações de documentos e acompanhamento escolar — acabam sendo inacessíveis para populações desconectadas, criando uma nova forma de exclusão institucional.
Casos que ilustram o problema: Brasil e o mundo
Em São Paulo, um levantamento da Fundação Seade revelou que 30% dos domicílios nas periferias ainda não têm acesso estável à internet. Isso afeta diretamente o desempenho escolar de crianças e o acesso a políticas públicas.
Já em cidades como Nova York e Toronto, a tentativa de criar bairros inteligentes como o Sidewalk Toronto, da Alphabet, foi abandonada após críticas sobre vigilância e desigualdade digital.
Em Nairobi, capital do Quênia, o projeto da Konza Smart City busca corrigir isso desde o início, investindo em inclusão digital e infraestrutura aberta. A cidade aposta em redes públicas de dados e capacitação comunitária como base para uma smart city equitativa.
Caminhos para tornar as cidades realmente inteligentes — e inclusivas
Para evitar que a tecnologia acentue desigualdades, é preciso garantir:
- Infraestrutura digital universal: acesso gratuito ou subsidiado à internet em todas as regiões da cidade.
- Alfabetização digital comunitária, com programas permanentes de ensino tecnológico, como os oferecidos pelo Programa Recode.
- Design centrado no cidadão, com plataformas acessíveis e linguagens simples.
- Participação popular nas decisões digitais, garantindo que comunidades possam opinar sobre o uso de seus dados e prioridades de tecnologia.
Além disso, parcerias com empresas do setor privado podem ajudar a acelerar a inclusão. Exemplo disso é o trabalho de operadoras como a TIM Brasil, que expandem 4G e fibra para regiões periféricas como parte de sua agenda ESG.