A crescente crise política entre o governo federal e o Congresso foi o eixo central do debate no Painel BM&C desta terça-feria (26), que reuniu Roberto Dumas, Miguel Daoud e Carlos Honorato, sob mediação de Paula Moraes. Para os analistas, o conflito aberto entre Planalto, Câmara e Senado vai além de um “ruído” pontual e já configura um rearranjo de poder em Brasília, com impactos diretos sobre a economia, a confiança de investidores e a capacidade do país de tocar uma agenda mínima de reformas.
Logo na abertura, Paula destacou que, quando o governo “perde o Senado, perde a Câmara e ainda vê pautas-bomba avançando sem qualquer controle, não estamos diante de um ruído, estamos diante de um rearranjo real de poder em Brasília”. Nesse contexto, avançam propostas com forte impacto fiscal, enquanto o governo não consegue aprovar nem a LDO.
Crise política no radar: Congresso encurrala o governo e paralisa a agenda econômica
Miguel Daoud avaliou que o governo está “encurralado pelo Congresso”. Segundo ele, Executivo e Legislativo operam hoje em lógica de ameaça mútua. “O governo está, eu diria, encurralado pelo Congresso. Hoje o Congresso, ele tem as suas pretensões, as suas demandas e muitas vezes o governo não quer cumprir, não quer atender. E aí o Congresso ameaça o governo, o governo ameaça o Congresso.”
Na visão de Daoud, esse embate permanente tem um efeito claro: o Brasil “não consegue avançar”. Com um quadro fiscal delicado e um cenário internacional mais arriscado, o analista critica a falta de responsabilidade institucional. “O fato é que há uma ameaça de um lado e de outro e isso acaba levando o Brasil a uma situação preocupante que pode, sem dúvida, ter consequências.”
Agendas políticas substituem prioridades estratégicas do país
Carlos Honorato chamou atenção para o risco de contaminação da economia por essa crise política prolongada, especialmente com a aproximação do calendário eleitoral. Para ele, os incentivos mudam em ano de eleição, e um governo com minoria no Congresso tende a gastar mais para tentar recompor espaço político.
“A gente não tá olhando os elementos prioritários que a gente precisa pro Brasil se desenvolver. Quer dizer, as travas que a gente tem do ponto de vista regulatório, problemas fiscais, problemas de gastos públicos, a gente deixa essa agenda de lado em nome de uma discussão sempre política.”
Honorato destacou que os diferentes poderes e grupos de interesse atuam focados em suas próprias agendas e não em um projeto de Estado. “Eu não diria que eles são incompetentes, eles são muito competentes em defender as suas próprias agendas. E a gente é refém disso porque a gente nunca pagou tanto imposto, né?”
Na avaliação do economista, essa combinação de crise política, juros elevados e carga tributária pesada penaliza tanto o investidor quanto o consumidor, em um ambiente onde falta horizonte de longo prazo.
Crise política: Pauta-bomba, risco fiscal e curva de juros
Roberto Dumas abordou diretamente o impacto das chamadas pautas-bomba no quadro fiscal e na percepção de risco. Ele lembrou que, em meio a esse ambiente de tensionamento político, o Senado colocou em discussão uma medida com impacto de “quase 40 bilhões”, agravando um cenário que já é frágil. (Após o Painel BM&C, na noite desta terça-feira, o Senado aprovou a pauta em questão. Leia mais clicando aqui)
Dumas questionou a coerência das projeções oficiais de resultado primário. “Você vê que o nosso LDO, você tem 1,8% do PIB só para gastar com despesa discricionária, já tá tudo carimbado. (…) Vou ter um superávit de 30 bilhões, soma mais 40 bi, eu tô projetando que muito provavelmente nós vamos ter um déficit de 0,9 a 1% do PIB.”
Com custo de carregamento alto da dívida, crescimento modesto e déficit primário, Dumas vê pressão crescente sobre a dívida pública e, potencialmente, sobre a curva de juros. “Com custo de carregamento de 8%, um crescimento econômico de 2 e um déficit primário de 1%, é óbvio que a dívida pública acaba subindo.”
Para ele, a precificação do risco fiscal tende a ficar “pressionada” no ano que vem, ainda que o excesso de liquidez global e local, por ora, tenha atenuado parte desse movimento.
Mercado não é vilão, mas resposta política segue baseada em narrativas
O Painel também discutiu a mudança de tom recente de parte do governo em relação ao mercado financeiro, em especial após declarações da ministra Simone Tebet pedindo ajuda do mercado para pressionar o Congresso.
Daoud lembrou que, historicamente, o governo costuma buscar um “culpado” externo para as próprias dificuldades. “O governo sempre tem que arrumar um culpado pelas suas mazelas e o culpado mais viável é o mercado financeiro. (…) Mas não é o mercado o culpado. O mercado ele tem que administrar o dinheiro e você administra esse dinheiro com a qualidade que você tem.”
Na avaliação dos analistas, a narrativa de “vilanização” do mercado convive com uma realidade em que o próprio governo depende da confiança desses agentes para financiar a dívida, atrair capital e manter o país minimamente estável.
Falta de plano de Estado e direita fragmentada
O Painel também tratou da disputa política em torno da sucessão de 2026 e do papel da direita nesse cenário. Honorato destacou que a esquerda conseguiu se organizar em torno de uma liderança, enquanto o campo de oposição segue fragmentado e sem um “projeto de país”. “O Lula consegue ser o máximo denominador comum da esquerda. E na direita a gente não tem um mínimo múltiplo, né? (…) A gente não consegue ter um papel, alguém que exerça esse papel.”
Miguel Daoud, por sua vez, ressaltou que muitos parlamentares estão mais preocupados em preservar poder e privilégios do que em construir um plano de Estado. “Os parlamentares hoje eles não estão preocupados com o Brasil, eles estão preocupado em se manter no poder e manter os seus partidos. Os benefícios que eles trazem é para o partido e para ele.”
Ambos convergem na ideia de que falta um acordo mínimo de longo prazo, semelhante ao Pacto de Moncloa, que deu base ao avanço institucional da Espanha. “A Espanha (…) fez o Pacto de Moncloa. (…) Os políticos, a sociedade se reuniu e definiram o seguinte: o nosso plano é esse. Com relação a isso, nós não vamos divergir. Agora, para isso precisa ter liderança, coisa que o Brasil não tem”, disse Daoud.
Além da crise política: BNDES, soberania mineral e risco de repetir erros do passado
Na segunda parte do programa, o debate avançou para a política externa e o uso do BNDES em financiamentos a obras no exterior, em paralelo ao discurso do presidente sobre soberania mineral e reindustrialização verde. Dumas reconheceu a importância de agregar valor aos minerais críticos, mas alertou para o risco de ressuscitar modelos de intervenção que já se mostraram problemáticos.
“Isso pegou um modismo também do BNDES querer financiar a África. Da onde que tirou? Da onde que nós estamos voltando? Parece que não aprendemos nada e não esquecemos nada.”
Ele defendeu que qualquer política desse tipo seja sustentada por critérios claros de retorno. “Eu quero saber qual é o retorno que eu vou ter nesse investimento. Quero fazer meu Excel. (…) Bota no Excel e quero ver quanto que vai dar isso daí.”
Honorato reforçou que o desenho atual do BNDES não favorece a inovação de base, especialmente entre pequenas empresas e startups, que têm dificuldade para acessar crédito em condições competitivas. “Qualquer instituição média para baixo que queira recursos para inovar (…) você não consegue pegar dinheiro. (…) Então a gente fica nessa coisa do BNDES e sempre dá um medo porque quando ele vai pro exterior, quem que tá fazendo o compliance do projeto em Moçambique?”
Custo Brasil, insegurança jurídica e investimento travado
Ao tratar de infraestrutura, indústria e agronegócio, os três convergiram na leitura de que o Custo Brasil, marcado por burocracia, insegurança jurídica, carga tributária e juros altos, segue afastando investimentos produtivos e favorecendo aplicações financeiras de curto prazo.
Daoud foi direto: “Se o Brasil não tiver um projeto (…) o Brasil para ser não tem um plano de estado, não tem um plano. Então, quem é que vem investir aqui? Vem investir na especulação.”
Dumas lembrou casos de quebra de contratos em concessões de pedágio como exemplo do mau funcionamento da segurança jurídica. “Não pode chegar no meio do caminho depois de 5 anos falar: ‘Vou mudar, vou cortar pela metade o pedágio, porque é pelo bem social’. Gente, tem um dinheiro do banco lá dentro. Tem o dinheiro popular que é do BNDES, que é do Tesouro.”
Na visão de Honorato, a combinação de juros altos, protecionismo seletivo e incentivos distorcidos impede que o Brasil aproveite seu potencial em setores estratégicos e dificulta qualquer tentativa séria de reindustrialização sem inovação. “O Brasil hoje é o centro da especulação mundial. Então o dinheiro que vem para cá, muitas vezes vem disfarçado (…) e vai para a renda fixa.”
Política acima da economia: sem coordenação, não há agenda que pare de pé
Na reta final do Painel BM&C, os convidados voltaram ao ponto central: a crise política e a falta de coordenação entre Executivo e Legislativo são hoje o principal obstáculo para qualquer agenda econômica consistente.
Daoud resumiu: “O Brasil dificilmente vai avançar se não tiver uma coesão no nosso Executivo e Legislativo em busca de um projeto pro Brasil.”
Honorato, por sua vez, lembrou que, historicamente, grandes crises acabam forçando mudanças estruturais: “Quando a gente tem crises, a gente tem momentos aí complicados, vai ter que se movimentar. Em todas as vezes que a gente enfrentou ou uma crise internacional ou um desafio interno muito grande, a coisa teve que se mexer.”
Enquanto esse movimento não acontece, o diagnóstico dos três é claro, a crise política em Brasília segue se sobrepondo à agenda econômica, elevando riscos, travando investimentos e mantendo o país preso a um ciclo de improvisos e narrativas, sem um plano de Estado que ofereça previsibilidade de longo prazo.















