Por muito tempo, a América Latina foi colocada à margem do debate sobre inovação financeira. O Vale do Silício, Londres e, mais recentemente, os hubs asiáticos dominaram a narrativa sobre o futuro dos pagamentos digitais. Mas o Brasil virou o jogo. Em menos de quatro anos, o Pix não apenas se consolidou como a principal forma de pagamento no país, superando cartões de crédito e débito, como também se tornou um estudo de caso global, reposicionando o país como protagonista de um sistema financeiro em transformação.
O sucesso brasileiro se explica também pelo desenho do seu mercado. Com apenas cinco grandes bancos dominando, dois públicos e três privados, o país conseguiu criar um ambiente propício para implementar o Pix e, sobretudo, garantir sua adoção massiva. Nos EUA, por exemplo, a pulverização de milhares de instituições financeiras e a forte influência do setor privado, especialmente das empresas de cartões de crédito, dificultam a criação de um sistema público robusto. Soma-se a isso a visão econômica que restringe o papel do Estado.
Lançado em 2020 pelo Banco Central, o Pix nasceu com uma ambição que hoje soa visionária: reduzir a fricção das transações, ampliar a inclusão bancária e diminuir custos de intermediação. O que poderia ter sido apenas mais um experimento de pagamentos instantâneos rapidamente se transformou em uma tendência. O Brasil é o segundo maior do mundo em pagamentos instantâneos, levando em conta o número de transações, atrás apenas da Índia, segundo pesquisa da Prime Time for Real-Time Report.
Essa escala impressiona. Diferentemente de soluções privadas como Venmo ou Cash App, ou mesmo de sistemas públicos como o UPI indiano, que opera sob governança regulatória própria, o Pix é um projeto de Estado totalmente regulado e operado pelo Banco Central. Trata-se de infraestrutura pública, não de uma empresa ou aplicativo e, justamente por isso, o impacto é profundo, criando um ambiente de confiança e interoperabilidade que derruba barreiras tradicionais.
A pergunta que deveria ecoar em Nova York, Londres e Cingapura é direta: o que aconteceria se esse modelo fosse exportado? O Pix sugere um futuro de pagamentos sem atrito, em que a transferência de valor ocorre de forma quase invisível, tão simples quanto o envio de uma mensagem. Num mundo em que ainda se paga taxa para movimentar dinheiro entre contas, ou em que compensações internacionais exigem dias, o Brasil mostra que já vive em outra era.
A expansão internacional do Pix ainda é incipiente. Cada país possui regras próprias, estruturas financeiras distintas e políticas regulatórias complexas. Harmonizar legislações e integrar sistemas exigirá negociações multilaterais, ajustes tecnológicos e paciência política. Ainda assim, o interesse global cresce. Setores como o varejo internacional, iGaming e turismo, já identificam no Pix uma alternativa eficiente e rastreável, capaz de substituir métodos tradicionais e oferecer vantagem competitiva para operadores comprometidos com compliance.
Essa movimentação não passou despercebida. Países do BRICS estudam replicar o modelo, Portugal já investe em sua adoção no setor hoteleiro e, nos Estados Unidos, a plataforma começa a ser usada no varejo voltado à brasileiros. O que nasceu como uma necessidade doméstica está, pouco a pouco, se transformando em tendência internacional, mas sua consolidação global dependerá de fatores políticos, regulatórios e de governança que vão além da tecnologia.
O Pix mostra que é possível conciliar inovação tecnológica com regulação estatal, inclusão financeira e redução de custos. Ao fazê-lo, o Brasil envia ao mundo uma mensagem clara: abriu caminho para pagamentos instantâneos eficientes e confiáveis. Ignorar esse movimento é perder de vista um dos experimentos mais bem-sucedidos de política pública digital da atualidade, mas é preciso reconhecer que a consolidação global ainda é um desafio complexo.

Artigo escrito por Leonardo Baptista – CEO e cofundador da Pay4Fun, primeira instituição de pagamento, que atua no setor de apostas esportivas, a receber a autorização do Banco Central do Brasil
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