Donald Trump voltou a fazer o que sabe: transformar negociações em espetáculo. Ao afirmar que vê “boa chance” de fechar um novo acordo comercial com a China, reacende uma disputa que define o século XXI, o controle da economia mundial. Mas por trás do otimismo americano e da aparente cordialidade chinesa, há um jogo muito mais profundo: um xadrez de poder, tecnologia e soberania produtiva.
Os EUA buscam o que perderam: o domínio sobre as cadeias globais. A promessa de “trazer as fábricas de volta” é tão política quanto estratégica. Já a China não quer ser apenas a oficina do mundo, quer ser o cérebro da nova economia verde e digital. Cada tarifa, cada semicondutor, cada metal raro é uma peça desse tabuleiro.
Pequim aprendeu a negociar como quem domina o tempo. É a comodante em tudo o que considera periférico: cortes simbólicos de tarifas, promessas de abertura, gestos protocolares. Mas é duríssima quando o assunto é estratégico: semicondutores, baterias, 5G, terras raras ou qualquer tecnologia que defina o futuro. Essa combinação de calma e rigidez confunde o Ocidente, que mede poder por intensidade, não por paciência.
Enquanto Trump fala em “acordo fantástico”, Xi observa o relógio. Sabe que o tempo está do seu lado: quanto mais os EUA pressionam, mais a Ásia amplia alianças, financia infraestrutura e cria alternativas. As rotas da nova globalização, do Indo-Pacífico à África Oriental, estão sendo redesenhadas por engenheiros e diplomatas chineses, não por generais americanos. A ironia é brutal: o império do consumo depende das fábricas que tentou conter.
Mas a disputa não é só comercial. É industrial, tecnológica e monetária. No século XXI, quem domina as cadeias críticas domina também a política internacional. As guerras do petróleo foram substituídas pelas guerras das baterias e dos chips. E é aqui que a China revela sua força: enquanto os EUA erguem tarifas, Pequim constrói dependências, em matérias-primas, portos, energia e crédito. A guerra de tarifas é barulhenta; a das cadeias é silenciosa e mais perigosa.
Para o Brasil e a América Latina, esse embate é mais que um conflito distante. É um terremoto que muda rotas de comércio e fluxos de investimento. Se os EUA encarecem produtos chineses e tentam regionalizar a produção, países “neutros” podem atrair indústrias. O México já se beneficia disso. O Brasil, porém, insiste em achar que basta exportar soja e minério. Mas no novo mundo, quem vende matéria-prima não vende poder.
O risco é ficar entre dois fogos. Se Washington apertar tarifas e Pequim reagir com restrições, commodities brasileiras oscilarão. Se a China buscar novos destinos para o seu capital produtivo, o Brasil poderia ser beneficiado, se tivesse estratégia industrial, infraestrutura e segurança jurídica. Sem isso, continua previsível: rico em recursos, pobre em direção.
O que se discute entre Trump e Xi vai muito além de tarifas. É sobre quem fabricará os motores da transição energética, quem controlará os dados do planeta, e quem ditará o padrão tecnológico da próxima década. A China só assina o que reforça o próprio poder; os EUA, pressionados pelo calendário eleitoral, buscam vitórias rápidas. Essa assimetria explica por que o “acordo” é tão improvável quanto necessário.
Ambos sabem que não podem romper. A interdependência é profunda. A Apple precisa da manufatura chinesa tanto quanto Pequim precisa do mercado americano. A diferença é que a China transformou dependência em alavanca, enquanto os EUA a transformaram em queixa. É o contraste entre quem planeja para 30 anos e quem governa em ciclos de 4.
Enquanto isso, o mundo se reorganiza. A Europa tenta autonomia energética, a Índia se oferece como nova fábrica, e o Sudeste Asiático se consolida como corredor industrial alternativo. O Brasil, com energia limpa e território abundante, poderia ocupar um papel central, se unisse visão e execução. A chamada “industrialização das vantagens comparativas”, conceito da Fundação Dom Cabral, define esse caminho: transformar o que já se faz bem em base de valor industrial.
Trump pode até assinar um “grande acordo” com Xi, mas será um acordo de superfície, útil para manchetes, irrelevante para a história. Porque o verdadeiro jogo não se decide em Washington nem em Pequim. Ele acontece nas cadeias invisíveis que movem o mundo e, nelas, quem fala demais geralmente negocia menos.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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