A decisão do Copom de manter a Selic em 15%, combinada ao corte de 0,25 ponto percentual anunciado pelo Federal Reserve, reconfigurou o debate sobre política monetária no Brasil e trouxe novos elementos de cautela para 2026. Embora a redução dos juros nos Estados Unidos abra espaço para cortes futuros no país sem comprometer o fluxo de capital, analistas avaliam que o cenário político doméstico — especialmente com a antecipação do ciclo eleitoral — tende a manter a curva de juros volátil e limitar movimentos imediatos de flexibilização.
O corte do Fed reduz parte da pressão sobre moedas emergentes e sinaliza um ambiente global um pouco mais favorável, mas ainda distante de um ciclo amplo de liquidez. No Brasil, porém, a manutenção da Selic reforça uma leitura de prudência diante de incertezas fiscais e políticas, com o mercado reprecificando expectativas de cortes já no início de 2026.
Eleições de 2026 entram no radar e ampliam volatilidade da curva
Segundo Volnei Eyng, CEO da Multiplike, o ambiente eleitoral já começa a influenciar a precificação dos juros. “A curva deve permanecer volátil devido à antecipação do processo eleitoral de 2026. O cenário político adiciona risco e pode afastar a possibilidade de um corte imediato da Selic”, afirma. Para ele, o movimento do Fed abre espaço para flexibilização, mas a incerteza doméstica impõe cautela.
André Matos, CEO da MA7 Negócios, destaca o risco de “descompasso monetário” caso o BC reduza juros com demasiada rapidez, reduzindo o diferencial em relação aos EUA e pressionando o câmbio. “O diferencial diminui e o Brasil pode perder atratividade relativa, pressionando o câmbio e reduzindo fluxo de capital”, diz.
Crédito estruturado reprecifica risco e reduz apetite por durations longas
A decisão combinada das autoridades monetárias também alterou o humor do mercado de crédito privado. Para Edgar Araújo, CEO da Azumi Investimentos, a estabilidade da Selic em 15% reforça a busca por governança e previsibilidade nas estruturas de crédito. “O investidor revisa duration e prêmio de risco em um cenário global que muda devagar. Para 2026, só captará capital quem entregar precisão técnica e aderência regulatória”, afirma.
Pedro Da Matta, CEO da Audax Capital, chama atenção para a reprecificação após o corte do Fed. “O dólar mais forte pressiona o apetite por operações longas e eleva o prêmio exigido. Spreads avançam e estruturadores adotam filtros mais rígidos na originação”, avalia.
Richard Ionescu, CEO do Grupo IOX, complementa que o descompasso monetário amplia a necessidade de estruturas com mecanismos de proteção robustos. “O investidor passa a priorizar lastros resilientes e previsibilidade de fluxo”, diz.
Inovação e venture capital seguem enfrentando capital seletivo
No ecossistema de startups, especialistas avaliam que o corte do Fed melhora o ambiente global, mas não reabre automaticamente o apetite ao risco. “A curva longa ainda está inclinada nos EUA, o que restringe capital para venture capital e pressiona valuations”, afirma Antonio Patrus, diretor da Bossa Invest. Ele ressalta que 2026 deve ser um “ciclo técnico, disciplinado e orientado por geração de caixa”.
Para João Kepler, CEO da Equity Group, a Selic elevada continua sendo o principal fator de restrição interna. “O movimento do Fed melhora parcialmente as condições de captação, mas o capital permanece escasso e seletivo. Eficiência operacional virou pré-requisito”, afirma.
Impacto no setor produtivo, dólar e decisões de investimento
A combinação de Selic alta e Fed em ciclo de cortes também afeta empresas ligadas à economia real. Gustavo Assis, CEO da Asset Bank, destaca que o câmbio pressionado encarece insumos importados e exige mais rigor no uso de crédito. “A inclinação adicional da curva reduz espaço para cortes relevantes e reforça necessidade de crédito lastreado em garantias sólidas”, diz.
Já no setor imobiliário e patrimonial, Pedro Ros, CEO da Referência Capital, observa que a oscilação global aumenta a necessidade de reavaliar estratégias. “O dólar mais alto leva investidores a recalibrar o retorno ao Brasil. O juro real elevado continua sendo um filtro natural, privilegiando operações com previsibilidade e governança”, afirma.
Mercado de capitais segue cauteloso, mas reconhece espaço para cortes futuros
Fábio Murad, economista e CEO da Super-ETF Educação, avalia que o Fed inaugura uma fase mais clara do ciclo de afrouxamento global, mas que o BC brasileiro seguirá ajustando o ritmo de cortes para evitar perda de ancoragem cambial. “A tarefa é calibrar a transição para condições menos restritivas sem comprometer o diferencial de juros”, diz.
Para Jorge Kotz, CEO da Holding Grupo X, a mensagem para as empresas é direta: disciplina continua sendo o elemento central. “A Selic elevada ainda condiciona expansão e planejamento. O movimento do Fed melhora o ambiente, mas não elimina a necessidade de precisão financeira e execução clara”, afirma.