A imposição de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump com início previsto para agosto, pode desencadear um movimento de reprecificação ampla de ativos e abertura nos spreads de crédito privado no Brasil, alerta Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos.
Segundo ele, o impacto vai além da esfera comercial. “Estamos diante de um choque de natureza política, que gera perda de previsibilidade fuga de crédito”, afirma. Cruz destaca que os efeitos da tarifa já começaram a aparecer nos dados de comércio exterior, nas curvas de juros e na demanda por papéis privados.
Exportadoras no centro da pressão da tarifa imposta por Trump
Cruz explica que o mercado já identifica fortes revisões de risco para empresas com exposição direta ao comércio exterior com os EUA, como exportadoras industriais, agroexportadoras e companhias de logística e base. Nesses setores, os spreads já apresentam tendência de alta significativa, com investidores exigindo prêmios maiores para manter posições em debêntures e CRAs.
“Setores como agro, siderurgia, têxtil e químico estão vendo dificuldade para rolar dívidas e reprecificação nos mercados secundários, especialmente nos papéis high yield e com duration mais longa”, afirma.
Segmentos mais impactados pela nova tarifa
A RB Investimentos identificou os setores mais vulneráveis à nova tarifa, com base na sensibilidade à alíquota e na exposição aos Estados Unidos:
| Setor | Tarifa Restritiva | Impactos Estimados | Empresas Afetadas |
|---|---|---|---|
| Aeronáutica | >15% | Cancelamento de encomendas, ruptura de contratos | Embraer |
| Siderurgia / Metalurgia | >10% | Perda de margem, inviabilização de exportações | Usiminas, Gerdau, CSN, Aço Cearense |
| Autopeças / Veículos | >20% | Ruptura de cadeias produtivas, contratos perdidos com EUA/México | Tupy, Randon, Maxion, Marcopolo |
| Tecnologia / Eletrônicos | >25% | Fuga de investimentos, cancelamento de contratos | WEG, Positivo, Multilaser, Intelbras |
| Química fina / farmacêutica | >20% | Perda de contratos com farmacêuticas americanas | Blau, EMS, Cristália, Nortec, Aché |
| Têxtil / Confecção | >15% | Perda de competitividade frente a México/Vietnã | Vulcabras, Hering, Guararapes, Vicunha |
| Agro (soja e carnes) | >10% | Redirecionamento para Ásia e queda de margem | JBS, BRF, Minerva, Marfrig, SLC |
| Serviços exportáveis | >10% | Redução de contratos e receita em TI, saúde e consultoria | Linx, TOTVS, Dasa, Stefanini |
| Petróleo e derivados | >10% | Pressão sobre margens e contratos spot | Petrobras, PRIO, Brava Ream |
Impacto já mensurável nas exportações
Segundo dados reunidos por Cruz, mesmo antes da nova tarifa, cinco dos dez principais produtos exportados pelo Brasil aos EUA já apresentavam queda em maio, após a imposição das tarifas de 10% no primeiro semestre:
- Óleos combustíveis de petróleo: -50,5%
- Celulose: -35%
- Equipamentos de engenharia: -30,9%
- Aeronaves: -7,3%
- Ferro-gusa: -1,2%
“O crescimento de 11,5% no total exportado em maio foi sustentado por produtos de menor valor agregado. Já os bens industriais, com maior geração de empregos e inovação, perderam competitividade”, diz.
Crédito privado: cenário mais desafiador com a nova tarifa
Para o estrategista da RB Investimentos, a abertura de spreads de crédito privado será generalizada, mas os setores com maior exposição à tarifa americana sofrerão mais:
- Risco Brasil em alta: aumento do CDS e percepção de risco afetam o pricing doméstico;
- Impacto concentrado em setores exportadores: aumento nas exigências de retorno e dificuldades para novas captações;
- Debêntures incentivadas ainda resilientes, mas com spreads levemente mais altos;
- Demanda menor por crédito privado: Selic em 15% mantém fluxo em títulos públicos, exigindo maior prêmio de risco nos privados.
Risco de escalada e retaliação
Cruz lembra que, historicamente, Trump reage a retaliações com novas rodadas de tarifas, como já foi visto nos conflitos com China, Canadá e União Europeia. “Uma resposta do governo brasileiro em nome da soberania nacional pode ser legítima, mas aumenta o risco de uma escalada tarifária que vai se refletir diretamente nos preços de ativos domésticos”, diz.
Diante do cenário, Gustavo Cruz orienta:
- Revisar alocações em renda fixa privada, especialmente CRAs, CRIs e debêntures com risco de exportação;
- Monitorar setores industriais na Bolsa, com foco em margens e exposição externa;
- Buscar proteção via hedge cambial e ativos defensivos, como utilities e empresas com receitas em real;
- Avaliar oportunidades em empresas com mercado interno forte e pouca dependência de exportações.
“A guerra comercial voltou ao centro do radar e os investidores precisam tratar o risco político internacional como um fator de peso nas decisões de alocação”, conclui Cruz.