A aprovação da Reforma Tributária no final de 2024 representa uma das maiores mudanças estruturais no sistema de tributos do Brasil. A implementação, que ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2033, já começa a gerar reflexos diretos no ambiente corporativo. Segundo estudo da Robert Half, a maioria das empresas ainda se encontra em fase de adaptação, mas o mercado já sinaliza aumento expressivo na demanda por profissionais qualificados para lidar com o novo cenário.
Ao mesmo tempo, especialistas alertam que a proximidade da reforma abre uma janela de oportunidade para a recuperação tributária. Companhias que revisarem suas obrigações fiscais antes da consolidação do novo modelo poderão fortalecer o caixa e mitigar riscos de perder créditos que deixarão de ser reconhecidos no futuro. Essa complementaridade entre gestão de pessoas e revisão fiscal coloca o capital humano e a estratégia tributária no centro da transição.
Por que o capital humano se tornou prioridade na Reforma Tributária?
De acordo com a Robert Half, 53% das empresas pretendem contratar ao menos três novos colaboradores para atender à demanda da reforma, sendo que grandes companhias chegam a prever cinco contratações adicionais. O foco recai sobre áreas fiscais, contábeis, jurídicas e de tecnologia. Entre os perfis mais procurados estão analistas tributários, especialistas em compliance e consultores de ERP para projetos de parametrização.
Vitor Silverio, gerente da Robert Half, destaca que a escassez de profissionais qualificados pode se intensificar. “Companhias que não se anteciparem correm o risco de enfrentar sobrecarga nas equipes atuais e dificuldade para cumprir as novas exigências fiscais”. Nesse contexto, habilidades técnicas como programação, parametrização de sistemas ERP e contabilidade regulatória se unem a soft skills como resiliência e comunicação com stakeholders.
Como a recuperação tributária entra nesse processo?
Para o advogado Carlos Occaso, sócio-diretor do BBMOV Advogados, a reforma cria uma situação única. “O risco de perder o direito à recuperação de valores real e iminente. Recuperar hoje é garantir competitividade amanhã”. Ele alerta que discussões tributárias baseadas no modelo atual podem se tornar obsoletas após a implementação do IBS e CBS, limitando ou inviabilizando pedidos de créditos.
Já o tributarista Bruno Pacito, da DMGSA Advogados, explica passo a passo como se preparar e reforça que o primeiro passo é o diagnóstico tributário detalhado dos últimos cinco anos, revisando obrigações acessórias como SPEDs, DCTFs e XMLs de notas fiscais. “Esse levantamento permite identificar créditos de PIS/COFINS, ICMS por insumos e contribuições previdenciárias indevidas. explica.
Passo 1 – diagnóstico tributário e fiscal
- Levantamento completo de todas as obrigações acessórias: XML de NF-e/CT-e, SPEDs (EFD-Contribuições, EFD-Reinf), DCTF/DCTFWeb e ECF.
- Revisão detalhada de NCM e CFOP, regimes tributários adotados e benefícios aplicáveis.
- Conciliação fiscal x contábil para medir a materialidade dos valores passíveis de recuperação nos últimos 5 anos.
- Priorização das hipóteses de crédito mais relevantes, como PIS/COFINS sobre insumos, ICMS sobre energia e insumos, IPI e contribuições previdenciárias.
Passo 2 – processo de comprovação junto à Receita Federal
- Construção de um dossiê robusto com trilha de auditoria: memórias de cálculo, papéis de trabalho e documentos comprobatórios.
- Retificação de obrigações acessórias quando necessário (ex.: EFD-Contribuições).
- Formalização do pedido por meio do PER/DCOMP Web para restituição, ressarcimento ou compensação.
- Acompanhamento contínuo pelo e-CAC e resposta a intimações da Receita Federal com fundamentação técnica baseada em jurisprudência administrativa e judicial.
- No caso de ICMS/ISS, utilização dos sistemas eletrônicos das Secretarias de Fazenda Estaduais.
Passo 3 – prazos e modalidades de aproveitamento dos créditos
- Compensação: utilização imediata dos créditos para quitar débitos federais (inclusive INSS), sujeita à homologação em até 5 anos.
- Restituição: devolução de valores pagos a maior ou indevidamente, prazo legal de até 360 dias para análise, embora frequentemente ultrapassado.
- Ressarcimento: monetização de créditos escriturais, como PIS/COFINS em exportações e IPI acumulado.
- Possibilidade de judicialização em caso de demora na análise administrativa.
- Direito de pleitear créditos dentro do prazo prescricional de 5 anos.
Passo 4 – importância do apoio de especialistas
- Redução do risco de glosa e maior segurança técnica no processo.
- Apoio na escolha das teses adequadas e na antecipação de eventuais retificações necessárias.
- Padronização das conciliações fiscais e contábeis.
- Organização de controles que permitam acompanhar créditos acumulados e compensações já realizadas.
Passo 5 – riscos de não revisar os tributos antes da Reforma Tributária
- Perda definitiva de créditos por prescrição.
- Transição para CBS e IBS pode reduzir a recuperabilidade de créditos hoje existentes.
- Risco de deixar saldos não aproveitados, onerando o caixa da empresa.
- Empresas que não se preparam podem ter preços desalinhados, menor liquidez e competitividade prejudicada.
Passo 6 – riscos de autuação em pedidos de recuperação
- Compensações mal instruídas podem ser glosadas, gerando cobrança de juros (SELIC) e multas.
- Inconsistências em SPEDs e DCTFs aumentam risco de autuações fiscais.
- Adoção de um dossiê técnico detalhado, com cálculos, planilhas e retificações corretas, eleva as chances de homologação.
Passo 7 – revisão tributária como diferencial competitivo
- Liberação de caixa para reinvestimentos estratégicos.
- Melhora no rating e percepção de governança junto a bancos e investidores.
- Empresas que tratam a revisão como processo contínuo conseguem precificar melhor e obter margens mais competitivas.
- Quem não se prepara enfrenta maior exposição a autuações, margens comprimidas e perda de espaço para concorrentes.
Como conectar pessoas, processos e compliance?
As empresas precisarão conciliar contratações estratégicas com revisões tributárias preventivas para enfrentar essa mudança. A preparação exige atualização de sistemas de gestão fiscal, parametrização de ERP, ajustes em processos internos e fortalecimento do compliance. “A hora de agir é agora”, enfatiza Silverio, lembrando que a convivência entre os dois regimes exigirá operações paralelas até 2033.
Assim, o capital humano não se limita à contratação de especialistas, mas também à criação de equipes multidisciplinares capazes de dialogar com tecnologia, jurídico e finanças. O apoio de consultorias e auditorias tributárias se torna fundamental para estruturar documentação robusta e mitigar riscos. “Profissionais experientes ajudam a escolher a tese correta, estruturar documentação e acelerar o ciclo de homologação dos créditos”, explica Pacito.
Quais os benefícios e riscos para as empresas?
Para Carlos Occaso, sócio-diretor do BBMOV Advogados, entre os principais benefícios da recuperação tributária antes da reforma estão:
- Reforço imediato do caixa sem necessidade de endividamento;
- Aproveitamento estratégico de créditos para compensação de tributos futuros;
- Correção de práticas fiscais, reduzindo riscos de autuação;
- Maior competitividade com custos ajustados e saúde financeira fortalecida.
No entanto, tanto Occaso quanto Pacito alertam para riscos de inércia. A ausência de revisão tributária pode levar à perda definitiva de créditos, margens comprimidas e aumento da exposição a multas e glosas. Além disso, com a CBS e o IBS substituindo tributos atuais, saldos acumulados de PIS e COFINS precisarão ser usados prioritariamente para abatimento, reduzindo a flexibilidade das empresas.
O que esperar do período de transição?
Entre 2026 e 2033, o Brasil conviverá com dois sistemas: o atual e o novo. Para as empresas, esse cenário significa maior complexidade, mas também oportunidade de estruturar processos mais eficientes. De um lado, a disputa por talentos qualificados deve elevar salários e transformar o mercado de trabalho tributário. De outro, a revisão fiscal pré-reforma pode liberar recursos que sustentem investimentos e assegurem vantagem competitiva.
Na prática, companhias que aliarem estratégia de capital humano com gestão tributária preventiva estarão em posição privilegiada para enfrentar os desafios da transição. O alinhamento entre tecnologia, compliance e gestão financeira será determinante não apenas para evitar riscos, mas também para explorar benefícios e garantir um crescimento sustentável no novo ambiente fiscal brasileiro.