A notícia de que Elon Musk fechou um acordo de US$ 128 milhões com ex-diretores do X (antigo Twitter) para encerrar disputas contratuais reacendeu, para mim, uma velha reflexão sobre liderança, cultura e limites institucionais. Mais do que uma indenização milionária, o episódio simboliza o custo invisível de modelos de gestão centrados em um único indivíduo, o tipo de cultura em que o fundador é, ao mesmo tempo, inspiração e instabilidade.
Na minha visão, Musk representa o extremo do “founder driven management”, em que o carisma e a visão de futuro convivem com o risco da imprevisibilidade. É o caso clássico em que a empresa deixa de ser uma organização e passa a ser uma extensão da personalidade do líder. O resultado, para quem vive o mundo corporativo, é previsível: inovação acelerada, sim, mas também passivos humanos, jurídicos e reputacionais difíceis de mensurar.
A cultura do caos travestida de propósito
A reestruturação do antigo Twitter mostrou o que chamo de cultura do caos travestida de propósito. O discurso do “foco na performance”, da “meritocracia extrema” e da “guerra contra a mediocridade” pode soar sedutor, mas frequentemente serve de justificativa para a ausência de empatia e diálogo.
Na minha leitura, o RH, que deveria ser mediador e guardião da coerência, acaba sendo empurrado para um papel secundário, reagindo a crises em vez de preveni-las.
O acordo de US$ 128 milhões é, em certo sentido, o preço simbólico de uma cultura sem freios. Quando o líder confunde velocidade com gestão e autonomia com autoridade, o que se destrói não é apenas valor de mercado, mas valor humano.
Empresas nascidas do gênio de um fundador vivem um dilema constante: como preservar a chama criativa sem se tornar reféns do fogo que ela produz? Acredito que o papel do RH, e, mais amplamente, da governança, é servir como contrapeso institucional, garantindo que a energia do líder seja canalizada, não dispersa. O fundador é essencial, mas não pode ser absoluto. Uma cultura refém da emoção do dia anterior é uma cultura fadada à exaustão.
O novo papel do RH: curador de culturas
Na minha experiência, o RH moderno precisa ser curador de culturas, e não apenas executor de processos. Isso significa interpretar comportamentos, proteger coerências e antecipar disfunções antes que se tornem manchetes.
Empresas maduras são aquelas em que o fundador pode ser questionado, e continua respeitado por isso. Onde o propósito é mais forte que o temperamento. Onde a cultura sobrevive ao criador.
O caso Musk reforça o que defendo há anos: liderar é descentralizar. Quando o sistema depende da genialidade de um só, ele se torna frágil; quando se estrutura em valores compartilhados, ele se torna anti-frágil.
A lição de fundo: Elon Musk é, sem dúvida, uma das mentes mais transformadoras de nossa era. Mas o X, e o acordo milionário que encerra suas disputas internas, serve como lembrete de que nenhuma empresa prospera indefinidamente quando a cultura é menor que o ego de seu líder.
Na minha opinião, o verdadeiro teste de liderança não está em criar impérios, mas em deixar sistemas que sobrevivam ao criador. O papel do RH, e de toda boa gestão, é justamente esse: transformar energia em estrutura, genialidade em legado e poder em equilíbrio.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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