O que parecia mais um episódio localizado entre Irã e Israel virou, em poucos dias, um gatilho sistêmico para a economia mundial. Com ataques diretos a instalações nucleares iranianas em Natanz, bombardeios a refinarias e uma avalanche de mísseis e drones lançados sobre cidades como Jerusalém, Tel Aviv e Haifa, o conflito deixou de ser regional e tornou-se um teste real para a arquitetura de risco dos mercados globais.
Para o Brasil, o desafio é atravessar esse ciclo de incerteza sem permitir que a inflação saia do controle, a política monetária perca credibilidade e a fragilidade fiscal vire vulnerabilidade crônica. Num mundo sem âncoras monetárias sólidas, o fio da navalha se tornou ainda mais fino.
No Brasil, o impacto da nova desordem global já chega por vários canais. O primeiro e mais visível é o preço dos combustíveis. Com a política de Preço de Paridade de Importação (PPI), a Petrobras deve recalibrar os preços nas refinarias nos próximos dias. Estados do Norte e Nordeste, mais dependentes de transporte rodoviário de longa distância, sentirão primeiro. Cada US$ 10 de alta no preço do barril pode adicionar até 0,2 ponto percentual ao IPCA, segundo estimativas de mercado.
O efeito cascata já se desenha: fertilizantes, defensivos agrícolas, frete, energia elétrica e alimentos devem encarecer. O real, pressionado pela fuga global de capitais, se desvaloriza frente ao dólar, e o Credit Default Swap (CDS) brasileiro já abriu mais de 30 pontos-base desde o início da crise.
Empresas com dívida externa enfrentam aumento imediato nos spreads de captação, enquanto o fluxo de investimento estrangeiro em ações e títulos públicos desacelera. Exportadores de soja, milho e carnes halal se beneficiam do câmbio, mas enfrentam elevação nos custos logísticos e de insumos.
O setor de aviação e turismo, ainda em recuperação pós-pandemia, sofre com o aumento do querosene e a retração da demanda por viagens internacionais. Na logística, as rotas de exportação e importação via Golfo Pérsico e Canal de Suez encareceram, com prêmios de seguro de carga subindo semana após semana.
No campo fiscal, a equipe econômica já trabalha com a hipótese de novos gastos emergenciais para amortecer os impactos sobre as famílias mais vulneráveis, o que pode comprometer as metas de equilíbrio primário e aumentar a percepção de risco Brasil.
Analistas traçam três cenários para os próximos 90 dias. No primeiro, de contenção diplomática, o barril se estabiliza entre US$ 80 e US$ 90. No segundo, de escalada militar com bloqueio efetivo do Estreito de Ormuz, o Brent pode romper os US$ 120 ou até US$ 150, com efeitos severos sobre inflação e juros. No terceiro, considerado o mais provável por agora, o mundo viverá uma guerra prolongada de baixa intensidade, com episódios esporádicos de violência e volatilidade permanente nos mercados.
A lição que fica é clara: a era da liquidez infinita e da confiança cega nas moedas de reserva está dando lugar a um mundo mais fragmentado, onde o ouro recupera seu protagonismo e o petróleo volta a ser vetor de inflação estrutural.
O preço do petróleo disparou mais de 13%, com o Brent superando os US$ 80 e o WTI avançando 14%. Foi a maior alta intradiária desde 2022. A ameaça de um bloqueio ao Estreito de Ormuz, por onde transita entre 20% e 30% de todo o petróleo mundial, disparou os prêmios de risco nos contratos futuros, elevou os custos dos seguros marítimos e já provoca desvio de rotas logísticas por transportadoras internacionais.
Nos mercados financeiros, a resposta foi rápida e multifacetada. O S&P 500 recuou aproximadamente 1%, o Nasdaq perdeu 1,3%, e os índices europeus caíram até 1,4%. Em Moscou, a bolsa seguiu em alta, beneficiada pela expectativa de mais receita com o petróleo. Mas o que mais chamou atenção foi a reação dos ativos de refúgio.
O dólar, tradicional âncora de segurança em tempos de crise, foi comprado nas primeiras horas do ataque, mas perdeu força ao longo do dia. O índice que mede seu desempenho frente a uma cesta de moedas fechou com ganho marginal de 0,3% sobre os níveis pré-conflito. Os Treasuries americanos sofreram liquidações consecutivas na sexta e na segunda-feira seguintes, refletindo o desconforto com o nível de endividamento dos EUA e a instabilidade institucional em Washington.
Na Europa, o euro também não encontrou sustentação. Desde os primeiros bombardeios, a moeda única perdeu terreno frente a uma média de outras 30 moedas globais, sinalizando que os investidores ainda veem fragilidade no bloco, principalmente por conta da fragmentação de sua dívida soberana. Christine Lagarde, presidente do BCE, chegou a anunciar para esta semana a publicação de um artigo com propostas para superar esses limites estruturais.
O único ativo que reagiu de forma previsível e consistente foi o ouro. Só na sexta-feira inicial do conflito, o metal subiu 1,77%, aproximando-se de seu recorde histórico. Dados do World Gold Council mostram que os bancos centrais vêm comprando mais de 1.000 toneladas de ouro por ano nos últimos três anos, muito acima da média de 400 a 500 toneladas por ano na década anterior.
Essa corrida pelo ouro está redesenhando o mapa das reservas internacionais. Segundo um relatório recente do BCE, o ouro ultrapassou o euro e tornou-se a segunda maior reserva oficial mundial, atrás apenas do dólar. O World Gold Council aponta que mais da metade dos bancos centrais do mundo pretende continuar comprando ouro ao longo de 2025, ao mesmo tempo em que preveem reduzir a participação do dólar em suas reservas nos próximos cinco anos.
Em 2024, a Polônia liderou o movimento, ampliando suas reservas em aproximadamente 90 toneladas. Turquia e Índia também reforçaram seus cofres: aumentaram suas reservas em 13,85% e 9,03%, respectivamente. A China manteve as compras, ainda que em ritmo menor que em 2023. Outros países que figuram entre os dez maiores compradores do ano incluem República Tcheca, Iraque, Hungria, Uzbequistão, Gana e Catar.
No ranking global de reservas de ouro, os Estados Unidos seguem na liderança, com 8.133,46 toneladas — o equivalente a 22,7% de todo o ouro detido por bancos centrais no mundo. Em seguida, aparecem Alemanha (3.351,28 toneladas), Itália (2.451,83 toneladas), França (2.437 toneladas), Rússia (2.329,63 toneladas), China (2.292,31 toneladas) e Suíça (1.039,94 toneladas).
E se a geopolítica parece distante no mapa, ela já está chegando ao bolso dos brasileiros.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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