Durante décadas, igualdade de gênero foi tratada como um imperativo moral. Um tema de direitos civis, de justiça social, de reparação histórica. E de fato é. Mas no mundo em que a performance econômica dita a sobrevivência corporativa, uma verdade mais dura e pragmática tem emergido dos dados: tratar homens e mulheres da mesma forma, em salário, promoção, liderança e acesso a oportunidades, não é apenas ético. É inteligente, lucrativo e estrategicamente competitivo. A pergunta real, neste ponto da história, já não é mais “por que dar às mulheres as mesmas chances?”, mas sim: “por que ainda existem empresas que não o fazem”?
De acordo com o McKinsey Global Institute, atingir a paridade total de gênero no mercado de trabalho global poderia adicionar até US$ 28 trilhões ao PIB mundial até 2025, o equivalente a 26% de crescimento adicional da economia global. No Brasil, essa cifra seria de aproximadamente US$ 850 bilhões em ganho potencial. Um estudo da PwC estimou que o Reino Unido, sozinho, poderia adicionar £180 bilhões ao seu PIB até 2025 se fechasse sua lacuna de gênero no trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que empresas com equilíbrio de gênero têm 63% mais probabilidade de melhorar sua lucratividade e produtividade, e 60% relatam melhor reputação de marca.
Não são apenas projeções: empresas que já praticam diversidade colhem resultados concretos. Um levantamento global do Boston Consulting Group mostrou que equipes executivas com diversidade de gênero produzem 19% mais receita de inovação. A consultoria McKinsey identificou que companhias no quartil superior de diversidade de gênero em cargos de liderança têm 21% mais chances de alcançar lucratividade acima da média. No setor financeiro, o Peterson Institute for International Economics analisou 22 mil empresas em 91 países e descobriu que empresas com pelo menos 30% de mulheres na liderança executiva tinham margens de lucro líquido até 6 pontos percentuais maiores.
Convicção pessoal, aplicação empresarial
Falo desse tema também por uma razão pessoal. Sempre tive, dentro da minha família, uma educação baseada na equivalência entre homens e mulheres. Cresci aprendendo que talento não tem gênero. Que competência e dignidade não têm lado. Levei esse princípio para a minha vida profissional. Nas minhas empresas, aplico com rigor essa visão: homens e mulheres devem ser tratados com absoluta equidade — em oportunidades, salário e respeito.
Mas é fundamental esclarecer: não estamos falando de igualdade no sentido rígido e literal, como se homens e mulheres tivessem de fazer as mesmas coisas o tempo todo, da mesma forma. Isso seria negar o valor da diversidade. O que defendemos é equidade: oportunidades justas, tratamento equilibrado e reconhecimento com base no mérito real, respeitando e valorizando as diferenças. Cada gênero pode ter aptidões distintas em certos contextos, e isso não deve ser motivo de exclusão, mas de complementariedade. Empresas inteligentes sabem identificar essas forças e criar espaços onde todos, homens e mulheres, possam contribuir com o melhor de si.
Também entendo que não basta acreditar na equidade se o mundo ainda não a pratica. Para corrigir uma desigualdade estrutural tão enraizada, é preciso forçar a mão, com ações concretas, políticas afirmativas e, às vezes, medidas que até parecem “desequilibradas” em favor das mulheres. Pelo menos até que o campo esteja nivelado. Quando há uma ferida histórica, não basta esperar que ela cicatrize por conta própria: é preciso intervir com firmeza. Essa correção ativa não é um privilégio. É um dever e um acelerador de justiça e performance.
Não valorizar mulheres é cortar valor
Muitos executivos ainda recorrem ao discurso do “mérito”. Que só o desempenho importa. Que promoções devem ser neutras. Mas ignoram o ponto central: o ponto de partida nunca foi neutro. Mulheres historicamente ganharam menos, foram preteridas por maternidade, excluídas informalmente de círculos decisórios, julgadas por padrões diferentes e frequentemente submetidas a ambientes de trabalho hostis ou sexistas. Tratar igualmente quem historicamente foi tratado de forma desigual não é meritocracia. É miopia.
Empresas que aplicam critérios de avaliação cegos ao gênero e oferecem as mesmas oportunidades, de cargo, de aumento, de visibilidade, não estão dando vantagens. Estão corrigindo distorções estruturais. Ignorar o potencial feminino na liderança é desperdiçar metade da inteligência disponível no mercado. E, na prática, é ainda pior: é desperdiçar mais de 50% da chance de atrair pessoas de valor para dentro das empresas.
Em setores de alta performance isso já é visível: startups lideradas por mulheres entregam 35% mais retorno sobre investimento, segundo a First Round Capital. E no mercado de capitais, empresas com maior presença feminina em conselhos são mais resilientes em crises e têm menor volatilidade de ações, como demonstrou a MSCI em estudos recorrentes. Organizações com lideranças femininas também têm desempenho superior em inovação, ESG, clima organizacional e reputação. E empresas com salários justos e culturas verdadeiramente inclusivas retêm mais talentos, atraem melhores profissionais e crescem com mais consistência.
O futuro pertence aos justos
A transformação real acontece no dia a dia das decisões empresariais, na escolha de quem recebe um projeto estratégico, quem é ouvido em uma reunião, quem tem sua liderança reconhecida. Não adianta ter programas de diversidade se, na prática, as promoções e os bônus continuam favorecendo o mesmo perfil de sempre.
Empresas que querem resultados consistentes precisam garantir critérios claros e iguais para homens e mulheres, eliminando vieses e favoritismos informais. O mercado já mudou: diversidade de gênero é critério para investimentos, avaliação de risco e reputação de marca. Equidade deixou de ser discurso e virou métrica. E esse processo não pode mais ser parado, porque não é mais uma tendência, é uma exigência prática de competitividade. Quem não se adaptar ficará para trás, não por ideologia, mas por ineficiência. Porque as empresas que vão liderar este século não serão as mais baratas ou agressivas, e sim as que souberem transformar justiça em desempenho, e inclusão em vantagem competitiva.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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