A Bolívia foi o “bom aluno” do socialismo latino-americano. Enquanto vizinhos se afogavam em crises, o país andino parecia ter encontrado a fórmula: Estado forte, nacionalizações estratégicas e redistribuição via bonança das commodities. Sob Evo Morales, o PIB triplicou entre 2006 e 2014, e a pobreza caiu de 60% para 37%. Por um tempo, a equação “gás + ideologia = prosperidade” parecia funcionar.
Mas, o ciclo acabou. Quando o preço do gás despencou e a demanda brasileira perdeu fôlego, a engrenagem parou. Em 2014, a Bolívia acumulava US$ 15 bilhões em reservas internacionais; hoje, restam menos de US$ 4 bilhões. A produção de gás, responsável por quase metade das exportações, encolheu. Subsídios à gasolina e ao trigo consomem 3% do PIB. O Banco Central passou a racionar dólares. O socialismo andino, que parecia sólido, revelou-se financiado por sorte e vento favorável.
O “Estado salvador” virou máquina lenta. O MAS, que nasceu como bandeira popular, transformou-se em aparelho burocrático. Evo Morales, ícone da ruptura, tornou-se símbolo de apego ao poder. Tentou reeleger-se indefinidamente, minou instituições e dividiu o país. Luis Arce, seu herdeiro político, tenta reorganizar a economia, mas governa à sombra do mentor e de um modelo exaurido. A Bolívia não virou uma Venezuela, mas vive seu colapso em câmera lenta.
O laboratório venezuelano do colapso total
Se a Bolívia é o colapso silencioso, a Venezuela é o colapso escancarado. Durante o auge do chavismo, entre 2004 e 2013, o barril de petróleo acima de US$ 100 sustentou um Estado que se acreditava eterno. Quando o preço caiu para US$ 36 em 2016, o castelo ruiu. O PIB encolheu 75% entre 2014 e 2021, segundo o FMI. A inflação de 2019 ultrapassou 10 milhões por cento. Mais de 7,7 milhões de venezuelanos deixaram o país, quase um quarto da população. A PDVSA, joia nacional, opera com menos de 30% da capacidade de 2010.
A revolução que prometia soberania terminou em dependência. O país com a maior reserva de petróleo do mundo passou a importar combustível. A retórica da igualdade virou fila para comprar pão. O Estado tentou controlar a economia e destruiu o próprio motor que a sustentava. A Venezuela é prova de que voluntarismo ideológico, sem lastro fiscal, cobra juros em miséria.
A Argentina antes de Milei: o assistencialismo como vício fiscal
Enquanto Bolívia racionava e Venezuela fugia, a Argentina escolheu anestesiar-se. Durante o kirchnerismo e o governo Fernández, o Estado virou máquina de subsídios. Energia, transporte e alimentos receberam benefícios que saltaram de 2% para quase 5% do PIB. Em 2023, 37% da população, cerca de 17 milhões de pessoas, recebiam algum tipo de auxílio estatal, segundo o INDEC.
A inflação explodiu para 254%, e o peso perdeu 97% do valor em uma década. A retórica social sobreviveu — mas a economia real desabou.
A vitória de Javier Milei foi uma reação. Um grito contra o Estado que prometia segurança e entregava estagnação. O argentino médio cansou de ser espectador da própria decadência. Milei, goste-se dele ou não, simboliza a ressaca moral de um país viciado em bondades que não podia pagar.
Três países, o mesmo erro
Bolívia, Venezuela e Argentina erraram com sotaques diferentes, mas pela mesma lógica: o populismo econômico. Durante o boom das commodities, os governos confundiram arrecadação com competência. O Estado cresceu mais rápido que a produtividade, e a política virou anestésico. Quando o ciclo global mudou, vieram inflação, déficit e descrédito. O assistencialismo virou dependência, e a dependência virou paralisia.
A esquerda regional não fracassou por sonhar com justiça social, fracassou por desprezar a aritmética. Redistribuiu renda sem gerar valor. Quando o dinheiro acabou, o discurso perdeu voz.
E o Brasil nesse tabuleiro
Entre 2003 e 2014, o Brasil também surfou a maré. O boom das commodities financiou inclusão real, mas o erro foi o mesmo: confundir bonança com permanência. O Estado cresceu além da produtividade e o crédito barato criou uma classe média dependente. Quando o ciclo global inverteu, veio a recessão, o déficit e a polarização.
Hoje, o país observa os vizinhos com vantagem institucional, mas com dilemas semelhantes: Estado grande, setor privado engessado e um sistema político que prefere administrar o presente a planejar o futuro. Ainda há tempo, mas o relógio fiscal está rodando.
A hora da verdade
O fim do ciclo vermelho não é o fim da esquerda, é o fim da sua inocência. Chega de culpar o mercado ou o dólar. O verdadeiro inimigo foi o autoengano. A América Latina não quebrou por falta de solidariedade, mas por excesso de ilusão.
Agora, ou a esquerda aprende a equilibrar contas e resultados, ou continuará sendo fábrica de promessas vencidas. Porque ideologia pode emocionar, mas não alimenta, e quem paga a conta das utopias são sempre os que menos podiam se dar ao luxo de acreditar nelas.
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