
Entre as muitas novidades no noticiário de 2023, a inteligência artificial (IA) e os grandes modelos de linguagem (LLMs) como o ChatGPT são manchetes em qualquer editoria. A tecnologia mal se popularizou e já é vista como uma ameaça para carreiras de áreas tradicionais — como o direito, o jornalismo, a engenharia e, claro, a economia.
Um exemplo disso é a imagem que utilizei como capa deste artigo para representar dois investment bankers trabalhando. Ela poderia muito bem ter sido desenhada por um ilustrador, mas no caso foi gerada pelo DALL-E, programa de IA capaz de criar imagens a partir de descrições textuais.
Naturalmente, não demorou muito tempo para esse medo se espalhar pelos corredores dos principais escritórios de assessorias, boutiques de M&A, bancos e corretoras do Brasil. O sentimento é justificável porque, de fato, a inteligência artificial impactará muitas indústrias e profissões.
Segundo pesquisa realizada pelo Goldman Sachs, os avanços impostos pela nova onda de sistemas de IA podem expor o equivalente a 300 milhões de empregos em tempo integral à automação.
Estima-se que os LLMs tem potencial de acelerar significativamente o trabalho de profissionais que atuam em trusts, fundos e entidades financeiras similares, conforme mostra o infográfico abaixo divulgado em uma matéria no jornal inglês The Economist.

Mas antes de imaginar um cenário apocalíptico, melhor analisarmos o cenário com calma.
Em março, o Financial Times publicou uma “boa notícia” para analistas financeiros: o ChatGPT não seria capaz de ser aprovado no exame da Chartered Financial Analyst (CFA), a principal certificação do mercado financeiro no mundo.
O exame é conhecido como um dos mais difíceis do universo financeiro. O CFA Level 1 de fevereiro teve 37% de aprovação e a IA, não seria um deles: acertou apenas 33% das questões feitas pela reportagem, bem abaixo da nota de corte superior a 70% para aprovação no primeiro nível do CFA Program.
Lendo a matéria do FT, fiquei curioso para saber se a ferramenta da OpenAI seria capaz de desempenhar o papel de assessor para empresas em busca de um M&A.
Veja o que pude tirar de conclusão desse bate-papo de negócios com a IA.
O ChatGPT pode montar a estrutura para um Teaser de Investimentos de 2 slides?
Para essa pergunta, sugeri um deal no setor da saúde. A inteligência artificial me deu algumas dicas valiosas, apesar de genéricas:


Além disso, o robô recomendou adaptar esses slides para atender às particularidades da empresa e ao público-alvo que desejo alcançar. Então parti para o específico: considere um deal de hospitais.
Quais oportunidades de crescimento podem ser identificadas?
A resposta – consulte o seu investment advisor.

O ChatGPT pode me indicar oportunidades dentro de um setor específico?
Perguntei se ele poderia me ajudar a escolher as melhores oportunidades de negócio no setor de saúde do Brasil. Mais uma vez, não obtive nenhum nome — apenas algumas diretrizes para eu pesquisar este mercado.
O ChatGPT pode resumir transcrições de resultados?
Perguntei se ele poderia me ajudar a resumir release de resultados de uma empresa. Uma vez fornecidos os textos, o resultado foi surpreendente. Próxima vez que perder um release, pergunte pro Chat!
O ChatGPT pode fazer o valuation de uma empresa?
O robô não tem em sua base informações dos resultados de uma empresa, ou seja, é preciso fornecê-los.
Com os dados financeiros, o EBITDA, e indicadores operacionais em mãos, o ChatGPT resolveu me entregar um valuation por múltiplo de EBITDA. É possível calcular o EBITDA da empresa, tanto no ChatGPT como numa simples calculadora.

Fiquei intrigado para saber de onde ele tirou o múltiplo de 8x, aqui está a resposta:

Devo desculpar o ChatGPT? Claro, afinal errar é humano, não é mesmo, sr. Chat? Múltiplos reais seriam de grande valia, mas para isso existem as plataformas especializadas.
Da saúde para tech: o ChatGPT pode identificar quais são os maiores concorrentes de uma fintech?
Pedi para o chat me apontar os concorrentes da Nexoos, fintech de crédito empresarial adquirida pela Ame Digital em 2021. O robô gerou uma lista de startups, com nomes de nove fintechs do segmento.
Mas há algumas ressalvas, já que a lista conta também com empresas de empréstimo pessoal que não têm concorrência direta — e até uma startup que foi comprada por um banco e não atua mais com o nome.

Dou um crédito ao robô e sigo a conversa.
O ChatGPT pode fazer a análise SWOT da empresa?
É possível dizer que o chat fez uma boa análise inicial. A inteligência criou uma lista de cinco pontos fortes, dois pontos fracos, duas oportunidades e duas ameaças que encontrou analisando a fintech.
Entre as strengths (forças, na tradução para o português), o chat citou a tecnologia do produto, os investimentos recebidos, a escalabilidade da startup e até o suporte que oferece para contribuir com o desenvolvimento de pequenos negócios.
As fraquezas citadas são a dependência das condições econômicas do mercado nacional e os riscos de crédito que uma fintech de empréstimo assume. Entre as oportunidades e ameaças, o robô destacou a crescente demanda por crédito no mercado brasileiro e a alta competitividade no setor de fintechs do país.
O ChatGPT pode me ajudar a avaliar e mitigar os riscos de um M&A?
Neste ponto, pode ajudar, sim. Mas também não vai automatizar o trabalho. Pedi dez pontos de atenção para levar em consideração antes de investir em uma empresa.
Recebi informações gerais em que devo me atentar sobre os riscos, como risco operacional, financeiro, de inadimplência, legal, de mercado, concorrência e de reputação. Mas nada que se aprofunde especificamente sobre a empresa em questão.
O ChatGPT pode indicar possíveis buyers para empresas sendo vendidas?
Confesso que esperava mais dessa resposta. Elaborei um texto me apresentando como um sócio de uma empresa. Fiz uma breve descrição sobre o negócio, situação financeira e disse que estava buscando investidores ou compradores.
Em vez de receber nomes de potenciais buyers, o chat deu cinco dicas para ir atrás de possíveis empresas. Na lista, foi sugerido uma pesquisa de mercado, networking e, claro, uma assessoria especializada em M&A.
Posso confiar nas respostas oferecidas pelo Chat GPT?
Toda pesquisa precisa de uma fonte de informação. Dificilmente o chat fornece uma fonte específica, até aqui, tudo bem. Mas é possível confiar totalmente nas respostas da IA? O chat confessou:
“Não posso garantir a veracidade ou atualidade das informações, pois minha base de conhecimento foi atualizada pela última vez em setembro de 2021. Sempre é recomendável verificar as informações com fontes confiáveis e atualizadas.”
Bom, aqui encontramos problemas bem significativos. O mercado financeiro está em constante movimentação, o valuation e compradores de dois anos atrás podem não ser os mesmos de hoje em dia.
O que podemos tirar de tudo isso é que a inteligência artificial pode ser uma aliada de investment bankers no dia a dia, principalmente com tarefas morosas, como pesquisas e estudos de mercado. O ChatGPT se destacou por resumir com rapidez e precisão transcrições de resultados, textos longos sobre empresas, setores e produtos.
Também fez um bom trabalho explicando modelos de negócio, listando competidores e dando insights, o que deve liberar tempo para os analistas se dedicarem ao valuation, racional estratégico e negociação — habilidades essenciais para extrair o máximo valor em um M&A.
Mas essa tecnologia ainda está bem longe de poder substituir o estagiário, ou mesmo nós, advisors. Melhor continuar contando com um bom time de advisors —, pelo menos por enquanto.
*Alexandre Cracovsky, CFA, tem anos de experiência em M&A e é Vice-presidente na ADVISIA Investimentos, onde assessora empresas em transações tanto no sell-side quanto no buy-side