
Na 9ª Cúpula das Américas, em junho de 2022, a administração Biden hesitou em tomar qualquer ação mais contundente com relação ao comércio e aos investimentos regionais. Entretanto, depois de serem pressionados por alguns líderes latino-americanos que veem o comércio internacional como essencial para o desenvolvimento local e bem-estar futuro, os diplomatas norte-americanos lançaram uma versão preliminar da chamada “Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica” (APEP, sigla em inglês).
Este documento incluía uma lista abrangente de assuntos econômicos para consideração que não foi debatido coletivamente. Estava presente o discurso político habitual de Biden, defendendo uma estratégia comercial imprecisa “focada no trabalhador, de baixo para cima e do meio para fora”.
Seis meses depois, os latino-americanos ainda estavam insatisfeitos com esta imprecisão da APEP e a pouca comunicação de Washington. Mas, na semana passada, dia 27 de janeiro, o governo Biden decidiu lançar a Parceria, apesar das negociações formais ainda não terem iniciado.
De acordo com a Reuters, o Subsecretário de Estado para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente dos EUA, Jose W. Fernandez, insistiu que “isso não é necessariamente sobre a China”, mas, se o acordo não tivesse relação com a crescente presença da China na América Latina, não precisaria tê-la citado. Se o subsecretário ocultou as verdadeiras razões não sabemos, porém os números não mentem e assustam: à exceção do México, a China é hoje o maior parceiro comercial dos países latino-americanos e só no Brasil seu comércio bilateral disparou de US$ 2 bilhões em 2000 para US$ 100 bilhões duas décadas depois. A China não atua apenas em projetos econômicos, tendo 21 países (e aumentando) da América Latina trabalhando com sua Iniciativa Cinturão e Rota. Além de tudo, os chineses utilizam a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) como a principal plataforma de aproximação e negociação em diversos setores com os Estados da América Latina.
Nesse contexto de avanço chinês, os EUA devem buscar realinhar seus interesses na região, especialmente apresentando razões econômicas para reduzir sua dependência dos chineses. Por isso, a APEP pode ser considerada um ponto de partida adequado e concreto nessa estratégia.
Conforme divulgado pela Casa Branca, a Parceira será construída sobre quatro pilares: (1) competitividade regional (procedimentos alfandegários, práticas regulatórias); (2) resiliência (cadeias de suprimentos); (3) prosperidade compartilhada (normas trabalhistas, inclusão financeira); e (4) investimento inclusivo e sustentável (revigorando o Banco Interamericano de Desenvolvimento, práticas de investimento responsável).
Existem vários pontos no rascunho da proposta da APEP que devem ser trabalhos e bem negociados, como a possibilidade de realocar para América Latina e Caribe as cadeias de suprimentos globais, hoje mais localizadas na Ásia, com objetivo de criar novos empregos na região e quem sabe reduzir a influência da China na cadeia produtiva global.
Vale destacar a menção sobre uma parceria para o aumento de capital do BID Invest, braço de investimento privado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Essa medida permitiria ao BID Invest – que atualmente opera uma carteira de aproximadamente US$ 12 bilhões – intensificar seu papel como credor preferencial do setor privado na região. Além disso, pode servir de porta de entrada para os Estados Unidos apoiarem um aumento de capital para todo o BID, fortalecendo a capacidade do Banco de responder às necessidades financeiras urgentes da região.
A questão da realocação das cadeias de suprimentos está diretamente relacionada ao BID e também ao Banco Mundial – que poderá entrar nesta estratégia –, já que serão necessárias construções de infraestruturas e desenvolvimento de recursos humanos em toda a área.
Apesar de ainda termos tópicos amplos que deverão ser detalhados e negociados, possuímos elementos sólidos como ponto de partida para pensar concretamente o desenvolvimento regional, utilizando a disputa China-EUA para negociar acordos que podem ser mais vantajosos.
Para tanto, os governos latino-americanos precisarão de uma visão focada e pragmática. Algo que inicialmente pode parecer simples acaba se complicando quando olhamos mais de perto os conflitos pela América Latina.
A lista oficialmente publicada dos países envolvidos na APEP apresenta questões estratégicas interessantes. A administração Biden conseguiu dividir os governos de esquerda da América do Sul. Apesar de ter tido sucesso em convencer o Chile e a Colômbia, o Brasil e a Argentina não demonstraram interesse em participar das negociações.
Os dez países da América Latina e do Caribe também incluem Barbados, Costa Rica, República Dominicana, Equador, México, Panamá, Peru e Uruguai. Além do Equador, Barbados e Uruguai, os EUA já têm acordos de livre comércio com os demais.
O atual governo brasileiro não apresenta entusiasmo com esta iniciativa, uma vez que ela pode atrapalhar seus planos de liderança regional e o sonho de uma integração ideológica na América Latina com o retorno de organizações como a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), que nunca apresentou resultados práticos para os países integrantes. Além disso o governo brasileiro pretende colocar o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) como protagonista regional para fornecer empréstimos e consolidar a liderança regional que existe apenas na cabeça do Presidente e de seu assessor especial Celso Amorim, pois ainda acham que estão vivendo no mundo de seu primeiro mandato.
Em prol de uma visão ideológica potencializada, o Brasil deixará de liderar as negociações da APEP, que poderia – a depender da condução – reorientar verdadeiramente toda a América Latina em termos de desenvolvimento e acesso a recursos. Mas, para isso, precisamos de verdadeiros estadistas.