A recente escalada entre Estados Unidos e Venezuela, marcada por ameaças de interceptação de petroleiros e discursos mais duros por parte de Donald Trump, tem provocado reações imediatas nos mercados de petróleo.
Apesar do barulho militar, especialistas ouvidos pela BM&C News avaliam que o movimento está menos ligado a uma preparação concreta para um conflito armado e mais associado a interesses econômicos, políticos e estratégicos, com destaque para o controle do preço do petróleo e a sinalização ao eleitorado doméstico americano.
EUA-Venezuela: a disputa por petróleo
Para o economista VanDyck Silveira, Trump atua de forma essencialmente pragmática, com uma lógica mais próxima à de um trader do que à de um líder ideológico.
“A postura dura em relação à Venezuela atende, em primeiro lugar, a um público específico dentro dos Estados Unidos, um eleitorado conservador, de baixa escolaridade, impactado pela perda de empregos industriais e historicamente sensível a discursos de segurança, imigração e combate ao tráfico de drogas“, destaca.
Além da dimensão política interna, Silveira destaca um interesse econômico claro: o petróleo venezuelano. Após as desapropriações promovidas durante o governo Hugo Chávez, empresas americanas perderam espaço no país. Na avaliação do economista, Trump enxerga a Venezuela como um ativo estratégico em um momento de crescimento acelerado da demanda global por energia, impulsionada pelo avanço da inteligência artificial, dos data centers e da economia digital.
“A ideia é garantir oferta abundante e barata de energia para sustentar esse novo ciclo de crescimento”, afirma.
Energia barata como âncora da política econômica
O preço do petróleo ocupa papel central nessa estratégia. Para Trump, níveis elevados representam risco inflacionário direto, especialmente para a população de menor renda, altamente dependente do transporte individual e do consumo de gasolina. Na leitura de VanDyck Silveira, o patamar considerado “ideal” estaria abaixo de US$ 80 o barril, com níveis próximos a US$ 50 ou US$ 40 ainda mais favoráveis.
Nesse contexto, as ameaças envolvendo a Venezuela funcionam como instrumento de pressão e negociação, mas não necessariamente como prelúdio de uma guerra.
“Trump age independentemente da reação imediata do mercado, pois sua prioridade estrutural é manter o petróleo barato para preservar poder de compra, controlar a inflação e sustentar o crescimento econômico”, conclui.
Guerra aberta entre Estados Unidos e Venezuela é improvável, avalia especialista
Na avaliação do professor de Relações Internacionais, Marcus Vinicius de Freitas, uma guerra direta entre Estados Unidos e Venezuela é, no cenário atual, pouco provável. O motivo não é a falta de capacidade militar americana, mas o elevado custo político, estratégico e regional que uma intervenção desse tipo traria, com ganhos limitados.
“Um conflito aberto poderia gerar instabilidade na América do Sul, ampliar fluxos migratórios, provocar volatilidade no mercado de energia e abrir espaço para maior envolvimento indireto de potências como China e Rússia, hoje parceiras relevantes da Venezuela. Além disso, os Estados Unidos já estão fortemente comprometidos em dois teatros estratégicos: a rivalidade com a China no Indo-Pacífico e a guerra na Ucrânia“, analisa o especialista.
O professor destaca ainda que a política americana para a Venezuela dialoga com uma releitura da Doutrina Monroe, segundo a qual Washington busca reafirmar sua influência no continente e reduzir a presença de atores extrarregionais. Ainda assim, ele alerta que intervenções sem um plano institucional claro tendem a gerar instabilidade prolongada, como demonstram experiências recentes em outras regiões.
Interceptação de petroleiros e coerção econômica
Quando Washington fala em interceptar ou fiscalizar petroleiros, o movimento deve ser entendido mais como uma forma de coerção econômica do que como ação militar clássica. De acordo com Marcus Vinicius de Freitas, trata-se de uma estratégia típica de guerra híbrida, que utiliza o mercado, a logística e o sistema financeiro como instrumentos de pressão.
“Na prática, esse tipo de ação eleva riscos jurídicos e financeiros para seguradoras, armadores e compradores, encarece transações e reduz a previsibilidade do comércio venezuelano, sem cruzar o limiar de um conflito armado. Estratégias semelhantes já foram utilizadas contra países como Irã, Rússia e Coreia do Norte”, destaca.
Apesar do impacto econômico, Freitas pondera que sanções e pressões desse tipo nem sempre produzem os efeitos políticos esperados. Países sancionados tendem a buscar rotas alternativas de comércio, enquanto o uso recorrente desses instrumentos pode reduzir a confiança nos Estados Unidos como fiador das regras do sistema internacional.
EUA e Venezuela: leitura para o mercado
A combinação das análises aponta para um cenário em que a Venezuela segue sendo usada como peça estratégica em um tabuleiro mais amplo, que envolve energia, inflação, política doméstica americana e disputa geopolítica global. A guerra aberta aparece como improvável, mas a instabilidade calculada e a retórica agressiva continuam sendo ferramentas relevantes de pressão e sinalização.
Para o mercado, o principal vetor permanece sendo o petróleo, não apenas como commodity, mas como variável-chave para inflação, crescimento e precificação de risco global.













