A vitória de José Antonio Kast, no Chile, é um exemplo que precisa ser estudado com afinco pelos políticos brasileiros. Kast é definido pela imprensa como um líder ultradireitista. Mas questões econômicas foram colocadas em segundo plano durante sua campanha. O foco do presidente eleito foi a segurança pública: prometeu endurecer o combate ao crime organizado e controlar a imigração irregular.
Entre 2021 e 2025, o Chile viveu uma mudança significativa nas prioridades da população, com a segurança pública passando de tema secundário para principal preocupação nacional. Em 2021, por exemplo, desigualdade e crise política dominavam o debate, mas já havia sinais de aumento da criminalidade; em 2025, porém, uma pesquisa da Ipsos indicou que 63% da população apontava violência e crime como sua maior preocupação.
Kast apostou no cavalo certo e centrou o discurso em torno da segurança pública. Foi o nome da direita mais votado no primeiro turno e ganhou com folga no segundo. Trata-se de um fenômeno que pode se repetir por aqui, dependendo do candidato que vá enfrentar a situação.
Os levantamentos mais recentes revelam que a segurança pública também passou a ocupar o centro das preocupações no Brasil. A pesquisa da Quaest de novembro mostrou que 38% dos brasileiros apontaram a violência como prioridade, superando a economia, citada por 15%, e problemas sociais, com 13%. O salto em relação a outubro, quando o índice era de 30%, ocorreu logo após uma megaoperação policial no Rio de Janeiro.
O Datafolha, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reforça esse quadro ao medir experiência cotidiana da população. Em junho de 2024, 73% dos entrevistados afirmaram perceber piora da criminalidade nos seis meses anteriores e 60% acreditavam em aumento dos crimes. O impacto na rotina é claro: quase metade da população evita determinados bairros e 45,2% deixam de sair à noite por medo.
Curiosamente, a sensação de insegurança no Brasil cresceu quando houve queda nos índices de homicídios, configurando um paradoxo que desafia especialistas em segurança pública. Relatórios recentes, como o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, apontam redução de cerca de 5% nas mortes violentas intencionais em 2024, o menor patamar em mais de uma década. Apesar disso, a mesma pesquisa do Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro revela que 58% dos brasileiros acreditam que a criminalidade aumentou no último ano.
O nível absoluto de violência, contudo, permanece elevado em comparação a países desenvolvidos. Mesmo com a queda, o Brasil ainda registra aproximadamente 39.000 homicídios por ano, taxa 20% superior à média latino-americana. Enquanto alguns estados celebram reduções locais, outros enfrentam altas persistentes, criando bolsões de terror que reforçam a narrativa nacional de caos. A cobertura da imprensa colabora para essa percepção, registrando casos de impacto como arrastões e execuções.
A mudança no perfil dos crimes amplia a sensação de insegurança. Os homicídios recuam, mas furtos de celulares se multiplicam, atingindo quase 10% da população em apenas 12 meses. O avanço do crime organizado reforça o sentimento de descontrole. Facções como PCC e Comando Vermelho expandiram sua presença para todos os estados, dominando 13 territórios e controlando mercados ilícitos de drogas, celulares roubados e serviços clandestinos. Estimativas indicam que facções e milícias afetam 19% da população, cerca de 28 milhões de pessoas, atuando como poder paralelo em periferias.
Esse caldeirão deve influenciar diretamente a narrativa dos postulantes à presidência da República.
Um candidato de direita pode encontrar um terreno fértil para se apropriar da pauta da insegurança porque tradicionalmente apresenta um discurso de ordem e autoridade. Esse perfil é reforçado pelo apoio simbólico de corporações policiais e militares, que transmitem legitimidade ao discurso de enfrentamento direto ao crime. Em momentos de medo generalizado, essa imagem de firmeza se torna um ativo eleitoral poderoso, capaz de convencer o eleitorado de que medidas duras são não apenas necessárias, mas urgentes.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por outro lado, é mais identificado com políticas sociais, o que pode ser interpretado por parte da população como uma postura menos incisiva diante da criminalidade (declarações como a que dizia ser o “traficante vítima dos usuários” também não ajudam o PT neste campo).
Essa percepção abre espaço para que a direita se apresente como a voz com maior credibilidade na defesa da segurança pública, especialmente quando episódios de violência ganham grande repercussão jornalística. Assim, a chance de o Brasil repetir o fenômeno chileno é significativa. Assim, a ascensão de um candidato que transforma o medo cotidiano em plataforma política, deslocando a economia e outros temas para segundo plano, é uma possibilidade real.
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