Há uma diferença que parece técnica, mas é filosófica: a inteligência artificial aprende com o que já foi; o ser humano cria o que ainda não é. Essa fronteira define o destino das civilizações e quanto mais nos cercamos de máquinas inteligentes, menos nos sentimos criadores de algo verdadeiramente novo.
A IA é uma máquina do passado travestida de futuro. Alimenta-se de dados, padrões, probabilidades. Pode prever tudo, menos o que ainda não aconteceu. Seu poder é imenso, mas reativo. Nenhum algoritmo “imagina”. Ele calcula. Nenhuma rede neural sente vertigem diante do desconhecido. E, sem vertigem, não há invenção. A roda, o fogo, o avião, a internet, tudo o que realmente mudou a história humana surgiu de um gesto que contrariava a lógica do tempo. O ser humano cria porque deseja o impossível. A máquina apenas confirma o que já é possível.
A era da previsibilidade
Estamos entrando na civilização da previsibilidade. Tudo é mensurável, projetável, calculado por algum sistema que nos promete eficiência. A IA decide a rota, a palavra, o investimento, o diagnóstico, o gosto musical e até o amor. O que se apresenta como liberdade é, na verdade, uma engenharia de hábitos. O perigo não é que as máquinas ganhem consciência, mas que os homens abdiquem da sua.
A dependência cognitiva começa no conforto. É tentador delegar ao algoritmo o trabalho de pensar. Ele responde mais rápido, fala com mais clareza, erra menos. Mas é justamente no erro que nasce a inovação. A IA elimina o risco e, com ele, o inesperado. Se o ser humano se acostumar demais a essa lógica, perderá a musculatura da dúvida, e duvidar é o que nos separa da programação.
Há um condicionamento sutil em curso: a mente humana, quando não precisa imaginar, deixa de imaginar. O mesmo cérebro que criou as máquinas pode, por inércia, deixar que elas o substituam. E esse será o momento exato em que deixaremos de evoluir. O homem criará máquinas cada vez mais inteligentes, mas cada vez menos humanas.
O desejo como diferença
O que a IA jamais poderá copiar é o desejo. Ela processa dados, mas não sonha. Pode recombinar ideias, mas não tem vontade. Pode entender o que é, mas não pergunta o que poderia ser.
A imaginação humana nasce da falta, do vazio, da dor, da esperança, de tudo aquilo que não cabe em um dataset. A máquina não tem medo da morte, não sente urgência, não ama nem perde. E é exatamente por isso que nunca criará nada que transcenda a utilidade. A arte, a ciência e a filosofia nascem de uma inquietação que nenhuma engenharia pode simular.
O ser humano é movido por algo que a IA não pode processar: a necessidade de sentido. Ele não quer apenas saber como, mas por quê. E enquanto essa pergunta existir, haverá espaço para o imprevisível, para a imaginação como último ato de rebeldia contra o determinismo algorítmico.
A parceria e o limite
A IA é uma aliada poderosa, desde que continue sendo uma ferramenta, não uma autoridade. O homem deve usá-la para ampliar a mente, não para substituí-la. Ela pode organizar o caos, mas não deve ditar o sentido. Pode acelerar o raciocínio, mas não pode definir o que é verdadeiro. A tentação de delegar o pensamento é antiga; agora, apenas se tornou digital.
O futuro não depende de ensinar máquinas a sentir, depende de não deixar os humanos esquecerem como se sente. Quando tudo parecer previsível demais, o papel do homem será errar. Errar com propósito, com coragem, com curiosidade. O erro é o último território da liberdade.
A IA não ameaça a humanidade por dominar o mundo, e sim por anestesiá-la, por convencê-la de que já não precisa imaginar. Mas enquanto houver alguém disposto a duvidar do algoritmo, a imaginar o impossível, a escrever o que nenhuma máquina ousaria prever, o humano continuará sendo o único programa verdadeiramente vivo do planeta.
E se um dia a IA for capaz de tudo, inclusive de criar beleza, ainda restará ao homem uma tarefa que jamais poderá ser automatizada: imaginar o que ainda não existe. Porque é nesse instante, e só nele, que o futuro começa.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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