Será que o Brasil e os Estados Unidos, duas das maiores nações das Américas, realmente habitam o mesmo século? Sou um empresário italiano que vive no Brasil há 24 anos, já morei nos Estados Unidos, conheço bem seu funcionamento cultural e trago comigo uma formação predominantemente europeia. Essa combinação me dá um olhar externo sobre o Brasil, capaz de perceber contrastes profundos que muitas vezes passam despercebidos para quem nasceu aqui. O mais evidente deles é a enorme diferença entre o modo como brasileiros e americanos organizam sua vida social. Na essência, o Brasil se revela uma sociedade muito mais solidária.
Nos Estados Unidos, a vida é um projeto individual. A cultura valoriza a autossuficiência, a clareza dos contratos e a eficiência como virtude central. O cidadão cresce acreditando que deve contar consigo mesmo e que sua trajetória depende quase exclusivamente do esforço próprio. A estabilidade vem de processos bem definidos, de instituições previsíveis e de governança rígida.
No Brasil, nada é tão individual quanto parece no papel. A vida é mais relacional, mais comunitária, mais emocional. Relações pessoais têm peso concreto no cotidiano. A solidariedade é prática, imediata e quase automática. É um traço cultural que sustenta o país nos momentos mais difíceis.
Em tragédias naturais, como enchentes e deslizamentos, a mobilização popular surge antes de qualquer estrutura formal. Vizinhos acolhem famílias inteiras, voluntários arrecadam alimentos, comércios de bairro doam roupas e equipamentos. Nos Estados Unidos, o socorro existe, mas costuma ser organizado por instituições como FEMA ou Cruz Vermelha. Funciona, mas tem menos calor humano.
Nos problemas pessoais e familiares, a diferença é igualmente evidente. A perda de um emprego, uma doença repentina ou uma separação mobilizam redes de amigos, parentes e conhecidos no Brasil. Sempre há alguém que aparece com uma refeição pronta ou que oferece ajuda com as crianças ou que cria uma oportunidade temporária de trabalho. Nos EUA, o apoio é mais contido e geralmente limitado ao círculo mais íntimo.
O cuidado com idosos também mostra essa diferença. A solução americana é institucional e profissionalizada. A brasileira é construída dentro da família. Pode ser menos perfeita no plano operacional, mas é mais humana e mais próxima.
A generosidade do brasileiro não é organizada. Está no DNA do dia a dia, comportamento que não se mede por rankings mundiais de solidariedade, onde os países que ganham destaque são indicados por volume de donativos e filantropias.
A bússola da confiança: Contrato ou Conexão? O Brasil tem espaço para crescer
Enquanto o americano confia no contrato, o brasileiro confia na pessoa. Isso cria desafios formais, mas também gera proximidade, pertencimento e laços que não se dissolvem facilmente.
São pontos de vista que apenas um olhar externo percebe com clareza. No Brasil, é preciso termos mais otimismo. Diferentemente dos Estados Unidos, cujo modelo institucional já amadureceu até o limite, aqui ainda há uma ampla margem de evolução. O país pode fortalecer instituições, melhorar processos, modernizar serviços públicos, elevar padrões educacionais e criar mais previsibilidade econômica. Tudo isso é possível sem perder sua natureza solidária.
A referência mais útil não está no modelo americano. O Brasil se beneficia muito mais ao adaptar, de forma tropicalizada, elementos que a Europa aperfeiçoou ao longo de séculos, como organização urbana, civilidade, cidadania ativa, governança pública e respeito aos espaços coletivos.
O brasileiro não tem necessidade de imitar os Estados Unidos. Pode permanecer fiel ao que tem de melhor: humanidade, vínculo e senso de comunidade. A partir dessa base, pode incorporar aquilo que a Europa já lapidou com consistência. O resultado pode ser algo único: uma sociedade moderna que não abre mão da proximidade humana. O Brasil já possui a parte mais rara. Só precisa desenvolver o restante.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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