O chamado Custo Brasil deixou de ser um jargão restrito à indústria para se consolidar como um dos principais freios ao crescimento econômico e à renda do brasileiro. Em entrevista ao programa BM&C Strike, o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Léo de Castro, afirmou que o conjunto de entraves estruturais faz com que produzir no país seja muito mais caro do que em economias da OCDE, e que esse peso acaba chegando diretamente ao bolso do consumidor.
Segundo estudo coordenado pela CNI em parceria com o governo federal, o Custo Brasil representa cerca de R$ 1,7 trilhão por ano, o equivalente a quase 20% do PIB. Na prática, explica Castro, isso significa que o poder de compra da população é cerca de 20% menor do que poderia ser se o país tivesse um ambiente de negócios mais eficiente.
Para o vice-presidente da CNI, o Custo Brasil funciona como um “imposto invisível” embutido em tudo o que é produzido e consumido no país.
Custo Brasil: do problema da empresa ao problema da população
Castro lembrou que o termo Custo Brasil surgiu nos anos 1990 para descrever a perda de competitividade das empresas nacionais em relação a concorrentes estrangeiros. Hoje, a CNI tenta reposicionar o tema como uma agenda de interesse direto da população, não apenas do setor produtivo.
Levantamentos da entidade indicam que:
- 70% dos empresários apontam a carga tributária como principal componente do Custo Brasil;
- 62% citam a falta de mão de obra qualificada como um dos maiores entraves ao crescimento;
- Problemas como logística cara, burocracia, insegurança jurídica e crédito mais caro completam o quadro.
“O que antes era comunicado como um tema que tirava competitividade das empresas agora é apresentado como algo que encarece tudo o que o brasileiro compra”, explicou Castro na entrevista a Paula Moraes.
Custo Brasil mede quanto é mais caro produzir aqui
Na conversa, o vice-presidente da CNI detalhou como o indicador é construído. O Custo Brasil mede o quanto é mais caro produzir no território nacional em comparação com a média dos países da OCDE, diferença que se traduz em preços mais altos, margens comprimidas e investimento menor.
Segundo ele, se o país conseguir enfrentar os principais gargalos, os produtos fabricados no Brasil poderiam ficar até 20% mais baratos. Seria um ganho de renda efetiva para famílias, sem aumento nominal de salários, apenas pela redução de ineficiências.
Mandala do Custo Brasil: tributação, logística e capital humano
A CNI estruturou o diagnóstico em uma espécie de “mandala do Custo Brasil”, que organiza os principais entraves e aponta ações para reduzi-los. Entre os eixos destacados por Castro estão:
- Tributação complexa e pesada
- Sistema tributário considerado um dos mais complexos do mundo;
- Alto custo de conformidade, com milhares de horas gastas apenas para cumprir obrigações fiscais;
- Grande volume de disputas, que fazem com que o contencioso tributário brasileiro alcance a ordem de um PIB, ilustrando o grau de insegurança jurídica.
- Infraestrutura e logística
- Predominância histórica do transporte rodoviário, com rodovias de baixa qualidade;
- Baixa exploração de ferrovias e da cabotagem (transporte marítimo costeiro), apesar da extensão da costa brasileira;
- Marcos legais de cabotagem e ferrovias já aprovados, mas ainda carecendo de regulamentação efetiva para gerar redução de custos.
- Capital humano e educação profissional
- País avança pouco na formação técnica voltada ao mercado de trabalho;
- Em economias desenvolvidas, cerca de 40% dos jovens seguem o ensino médio técnico; no Brasil, esse número gira em torno de 10% a 11%;
- A CNI defende aceleração da implementação da reforma do ensino médio técnico, sob responsabilidade dos estados, como peça central para elevar produtividade.
Juros altos, câmbio desalinhado e energia cara
Além dos entraves microeconômicos, Castro citou os chamados “macropreços” que, combinados ao Custo Brasil, pressionam ainda mais a indústria:
- Juros reais entre os mais altos do mundo, o que encarece investimentos de longo prazo e capital de giro, especialmente em setores intensivos em capital;
- Câmbio valorizado usado historicamente como instrumento de controle inflacionário, favorecendo importados em detrimento da produção local;
- Energia e gás natural caros, com impacto direto sobre a indústria de base e sobre setores eletrointensivos.
De acordo com o vice-presidente da CNI, o gás brasileiro custa cerca de seis vezes mais do que o gás nos Estados Unidos, o que dificulta a competitividade de indústrias como petroquímica, siderurgia e alumínio. Ele também destacou que, entre o custo de geração e a tarifa final, encargos e subsídios embutidos na conta de luz encarecem a energia para quem produz.
Reforma tributária: avanço, mas em “velocidade lenta”
A CNI vê a reforma tributária como um passo relevante na redução do Custo Brasil, sobretudo pela promessa de:
- Simplificar a estrutura de impostos sobre consumo;
- Reduzir a cumulatividade;
- Diminuir o custo de conformidade e aumentar a segurança jurídica.
Castro, porém, fez duas ressalvas:
- O processo de regulamentação ainda está em curso, e existe o risco de surgirem novos entraves e “jabutis” que desfigurem o propósito inicial da reforma;
- O tempo de implementação é longo, o que reduz a velocidade de colher resultados, especialmente num cenário em que outros países emergentes, como Índia, México, Vietnã e Colômbia, avançam mais rápido nas suas agendas de competitividade.
“A questão central é o senso de urgência”, apontou o executivo, ao comparar o ritmo brasileiro com o salto da Índia, que em uma década passou da 11ª para a 4ª maior economia do mundo.
Insegurança jurídica e “Brasil ilegal” afastam investimento
A insegurança jurídica foi apontada como um dos fatores mais relevantes para afastar investimentos, em especial os projetos de longo prazo, com grande volume de capital envolvido.
Entre os exemplos citados por Castro estão:
- Mudanças frequentes na legislação, que dificultam o planejamento de empresas;
- Interferência política em agências reguladoras;
- Disposição do Judiciário de legislar na interpretação de normas, gerando maior imprevisibilidade.
Ele também mencionou o impacto do chamado “Brasil ilegal” e do comportamento de devedores contumazes, que acumulam dívidas tributárias, renegociam repetidamente e competem de forma desleal com quem paga impostos em dia. Para a CNI, a aprovação do projeto de lei que trata do devedor contumaz é uma peça importante para corrigir distorções concorrenciais e tornar o ambiente mais justo.
Enfrentar o Custo Brasil não depende de mais gasto público
Um dos pontos enfatizados ao longo da entrevista é que reduzir o Custo Brasil não exige expansão de gastos do governo, mas sim decisões regulatórias e legislativas coordenadas entre Executivo, Legislativo e Judiciário.
Entre as frentes destacadas por Castro como prioritárias no curto prazo estão:
- Regulamentar de forma efetiva os marcos de cabotagem e ferrovias;
- Tornar o gás natural uma fonte competitiva para a indústria de base;
- Revisar encargos sobre a conta de energia para permitir que o país capture a vantagem de ter uma matriz majoritariamente limpa;
- Avançar na regulamentação da reforma tributária, mantendo o foco em simplificação e segurança jurídica;
- Aprovar medidas que combatam a concorrência desleal e o devedor contumaz;
- Acelerar a reforma do ensino médio técnico nos estados.
Para o vice-presidente da CNI, enfrentar o Custo Brasil é “o caminho mais barato” para o país voltar a crescer, porque não depende de espaço fiscal, mas de vontade política e coordenação institucional.
CNI quer tirar o tema da “bolha empresarial”
Ao final da entrevista, Castro reforçou que a CNI pretende popularizar o debate sobre o Custo Brasil, conectando diretamente o tema ao custo de vida do cidadão. A campanha da entidade, em parceria com o Movimento Brasil Competitivo, busca mostrar que simplificar tributos, melhorar infraestrutura, reduzir insegurança jurídica e investir em capital humano não são apenas agendas corporativas, mas decisões que determinam o preço do arroz, do feijão, da energia elétrica e o nível de salário que o país consegue sustentar.
Segundo ele, a indústria está disposta a “jogar junto” com o setor público, oferecendo diagnósticos, dados e propostas já estruturadas. A mensagem principal é que o Brasil tem recursos naturais, matriz energética favorável, mercado interno e base industrial diversificada, mas precisa parar de perder oportunidades e tratar a redução do Custo Brasil como agenda central de desenvolvimento.













