O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta quarta-feira (26) o projeto de lei que eleva para R$ 5 mil a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). A mudança, que começa a valer a partir de 2026, representa um dos maiores ajustes distributivos da última década e deve beneficiar cerca de 20 milhões de contribuintes, 15 milhões que deixam de pagar o imposto e outros 5 milhões que terão redução no imposto devido.
A medida, no entanto, não chega sozinha. Ela avança ao mesmo tempo em que o país passa por uma reconfiguração profunda da tributação sobre altas rendas, dividendos e estruturas societárias, o que levou especialistas a classificarem o momento como um divisor de águas na política fiscal brasileira.

Isenção do Imposto de Renda: 84% dos trabalhadores na faixa beneficiada
Segundo dados oficiais do governo, 84% da população ocupada está dentro do novo limite de isenção. Para rendimentos acima de R$ 7.350, a tabela permanece inalterada, com alíquotas progressivas que chegam ao patamar máximo de 27,5%. O Ministério da Fazenda avalia que o impacto distributivo é significativo, mas advogados tributaristas alertam que o resultado indireto será um ambiente fiscal mais complexo.
Progressividade maior e complexidade também
Para a advogada tributarista Maia Alexia Martinovich, sócia do escritório Luna Sottili, a sanção inaugura uma nova etapa do IR. “A faixa de isenção do Imposto de Renda sobe para até R$ 5 mil e o sistema passa a ser mais progressivo, com incidência mínima sobre altas rendas e tributação de dividendos. Na prática, trabalhadores e profissionais com renda até esse patamar tendem a sentir um alívio no bolso a partir de 2026”, afirma.
Mas a advogada destaca que o avanço distributivo vem acompanhado de novas exigências. “Será preciso planejamento. As regras para distribuição de lucros apurados até 2025, os prazos para aprovação e pagamento de dividendos e a nova lógica de tributação mínima exigem organização societária, revisão de políticas de dividendos e atenção redobrada a estruturas no Brasil e no exterior”, explica.
Maia também prevê um ambiente mais suscetível a disputas judiciais. “A reforma deve gerar novas normas da Receita Federal e possíveis litígios, inclusive por alegações de bitributação ou violação à capacidade contributiva. A operacionalização do redutor é outro ponto sensível, porque depende de informações da alíquota efetiva das pessoas jurídicas, que chegam à Receita meses depois da declaração do IRPF”, aponta.
Impacto sobre altas rendas é o eixo central
Para o tributarista e professor Henrique Mello, sócio do escritório HMLaw, a criação do imposto de renda mínimo é o componente mais sensível das mudanças. “A sanção da nova lei inaugura uma etapa delicada da política tributária brasileira, sobretudo pela criação do imposto de renda mínimo sobre altas rendas, cuja complexidade e potencial de litigiosidade merecem cautela redobrada por parte dos contribuintes e das administrações tributárias”, afirma.
O professor avalia que o impacto das novas regras pode ser maior do que o da própria reforma tributária sobre o consumo.
“As alterações legislativas em questão são tão relevantes que demonstram potencial de ultrapassar, em nível de preocupação imediata, a importância atribuída pelos contribuintes, sobretudo aqueles potencialmente atingidos, em comparação com a reforma do consumo”, analisa.
Rotina mais rígida para contribuintes de alta renda
Segundo Mello, o IRPF mínimo exigirá organização documental mais robusta. “A apuração envolve integração entre rendimentos sujeitos a diferentes regimes, créditos de IRPF e IRRF, regras específicas para ativos e operações no exterior e eventual aplicação do redutor vinculado à alíquota efetiva da pessoa jurídica pagadora”, afirma.
Ele ressalta ainda o efeito combinado entre o novo imposto mínimo e a tributação de dividendos superiores a R$ 50 mil por mês. “Essa combinação tende a ampliar significativamente obrigações de compliance e riscos de autuação, especialmente diante das diversas lacunas operacionais existentes”, diz.
Brasil entra em nova fase tributária
Apesar das incertezas, os especialistas concordam que a medida traz alívio para a maior parte dos trabalhadores. A complexidade, porém, recai sobre os rendimentos mais altos e sobre empresas que terão de adaptar políticas internas, reorganizar estruturas e revisar estratégias fiscais.
“O conjunto dessas disposições coloca o Brasil diante de uma arquitetura ambiciosa, porém desafiadora, em que o reforço da progressividade precisa conviver com segurança jurídica, previsibilidade e capacidade operacional da Receita Federal”, conclui Mello.
Com a sanção desta quarta-feira, o país inaugura uma fase de alívio tributário para milhões e, ao mesmo tempo, passa a exigir de contribuintes de maior renda um nível mais alto de organização, conformidade e atenção às novas regras. Um sistema mais distributivo, mas também mais complexo, passa agora a moldar o cotidiano fiscal brasileiro.















