O setor mineral brasileiro atravessa uma inflexão crítica. Desde março de 2025, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o dispositivo da Lei nº 12.844/2013 que presumia a boa-fé na compra de ouro proveniente de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), o equilíbrio entre controle ambiental e viabilidade econômica foi rompido. A decisão teve o mérito de restringir brechas para a lavagem de dinheiro e a comercialização de metal de origem ilícita, mas gerou um efeito paradoxal: dificultou a prática criminosa, ao mesmo tempo em que aumentou o incentivo à ilegalidade.
Com o fim da presunção, as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) passaram a evitar os polos de garimpo, temendo responsabilização direta. O resultado imediato foi uma redução drástica da formalidade e o avanço de intermediários informais. A arrecadação da CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) caiu de 20% para cerca de 5% após a decisão do STF, evidenciando a migração do comércio para a clandestinidade e a perda de eficiência na arrecadação pública.
Restrições da ANM agravam cenário de informalidade
As medidas subsequentes intensificaram o problema. A Resolução ANM nº 208/2025, editada para reforçar o combate ao garimpo ilegal, impôs novas restrições de área e ampliou exigências de licenciamento. No entanto, especialistas apontam que a norma falhou em criar mecanismos de incentivo à regulação e formalização da atividade. Na prática, a rigidez afastou investidores e empurrou pequenos garimpeiros para a informalidade.
Segundo Elvis Klauk Júnior, advogado da Ourominas e especialista no setor mineral do ouro, “a suspensão da presunção de boa-fé dificultou a lavagem de dinheiro, mas retirou do Estado sua principal ferramenta de controle sobre a origem do ouro”. Ele ressalta que, ao endurecer sem oferecer alternativas tecnológicas ou regulatórias, o país “acabou premiando quem opera fora da lei e punindo quem tenta produzir dentro das regras”.
Formalidade em queda e aumento do risco institucional
A combinação das medidas produziu efeitos colaterais severos: retração da formalidade, evasão fiscal e estímulo à ilegalidade. As DTVMs, que historicamente atuavam como canal transparente e auditável do sistema financeiro, se retiraram dos garimpos, abrindo espaço para agentes clandestinos. A ausência de rastreabilidade efetiva e o aumento da insegurança jurídica elevaram o risco de expansão do mercado paralelo do ouro, reduzindo a competitividade do setor formal e a confiança de investidores.
De acordo com Elvis Júnior, “o Brasil perdeu a oportunidade de transformar o garimpo em uma indústria moderna e rastreável. O Estado precisa substituir a repressão pelo incentivo inteligente, com limites de valor e sistemas digitais de controle, permitindo formalizar o pequeno produtor sem criminalizá-lo”. Ele defende a adoção de um teto de até US$ 10 mil por mês para transações de pequeno porte, com identificação obrigatória do vendedor e rastreabilidade eletrônica, como forma de aumentar governança e arrecadação sem sufocar a atividade regular.
Como reconstruir o equilíbrio entre controle e incentivo?
O futuro do setor aurífero depende de uma regulação que una segurança jurídica, transparência e estímulo à formalidade. Especialistas defendem a criação de uma plataforma nacional de rastreamento que conecte ANM, Banco Central e Receita Federal, permitindo o controle digital em tempo real e integrando dados ambientais, fiscais e financeiros.
A experiência internacional mostra que países que combinaram regulação inteligente e tecnologia, como Canadá e Austrália, reduziram drasticamente a ilegalidade sem sacrificar a produção. No Brasil, enquanto o foco permanecer na punição em vez da orientação, a legalidade continuará perdendo espaço para o mercado informal. A mineração sustentável não depende apenas de fiscalização, mas de um Estado capaz de enxergar no ouro formalizado uma fonte legítima de riqueza, e não um inimigo a ser combatido.