No episódio “Trump muda tudo: o maior experimento econômico do século!”, do Wall Street Cast, Bruno Corano recebeu os economistas Daniel Faria e Danilo Santiago para discutir o novo pacote de tarifas de importação nos Estados Unidos e suas possíveis consequências. O debate destacou que, apesar da promessa de reindustrialização e defesa da indústria nacional, quem deve arcar com a conta, no curto prazo, é o consumidor americano.
Além disso, os analistas apontaram que a implementação “turbulenta” das medidas cria ganhadores e perdedores dentro das mesmas cadeias produtivas. Os repasses de preços devem aparecer de forma gradual, à medida que os estoques antigos se esgotem e os custos mais altos cheguem às prateleiras do varejo. A incerteza sobre os impactos reais é grande — e o mercado tenta se ajustar em meio ao ruído político e econômico.
Quais são os principais pontos debatidos no programa?
- Tarifas como imposto ao consumo: a tarifa não é paga por países-alvo, mas repassada a quem compra nos EUA. “No fundo, quem vai pagar essa conta é o consumidor americano.”
- Reindustrialização limitada por custo: fabricar produtos simples nos EUA, com mão de obra mais cara que a asiática, não se sustenta em escala.
- Ganhadores e perdedores: empresas com produção local podem se beneficiar; outras, dependentes de insumos importados, perdem margem e volume.
- Impacto inflacionário: a alta dos preços deve ser menor que o esperado e transitória, podendo se estabilizar entre 3% e 3,5%.
- Dilema do Fed: se a inflação persistir enquanto o emprego desacelera, o banco central enfrentará o impasse entre crescimento e estabilidade de preços.
Como o choque tarifário chega ao bolso dos americanos?
O impacto acontece em duas etapas: primeiro, os volumes de vendas caem, já que redes como Walmart e Target pausam pedidos diante de tarifas que chegaram a 145% sobre produtos chineses. Depois, os preços sobem, quando o estoque “barato” gira e as empresas são obrigadas a repassar o custo para proteger suas margens e bônus atrelados ao lucro por ação.
Nesse sentido, o episódio destacou que os consumidores podem até substituir produtos alimentares — trocando feijão por lentilha, por exemplo —, mas não conseguem fazer o mesmo com tecnologia e insumos críticos. Esses itens continuarão sendo importados, mesmo com preços mais altos, o que alimenta a pressão inflacionária e expõe a fragilidade das cadeias de suprimento.
Reindustrializar os EUA é viável?
Os comentaristas concordaram que tarifas, por si só, não recriam a manufatura americana. A diferença de custos entre os EUA e a Ásia permanece grande, e a competitividade global exige adaptação mais ampla. Há casos pontuais de sucesso, como setores de móveis e aço, mas o efeito líquido tende a ser incerto. Para cada emprego criado em indústrias protegidas, outros podem ser perdidos em varejo, transporte e serviços.
Por outro lado, parte das empresas busca alternativas como transferir linhas produtivas para países do Sudeste Asiático — Vietnã, Índia e México — reduzindo o impacto direto das tarifas. Essa realocação, no entanto, leva tempo e reforça a incerteza sobre o verdadeiro alcance do plano de Donald Trump.
Inflação e margens: quem vai ceder primeiro?
Daniel Faria avaliou que o impacto inflacionário será temporário e mais suave do que se projeta, já que muitas companhias preferem absorver parte do aumento de custos antes de repassar ao consumidor. Esse movimento dilui a inflação ao longo dos trimestres seguintes, evitando um pico abrupto. Entretanto, os executivos têm incentivos de curto prazo para proteger margens e bônus, o que pode acelerar reajustes assim que os estoques mais caros entrarem na contabilidade.
Enquanto isso, a dinâmica coloca o Federal Reserve em um dilema: se a economia desacelera e a inflação resiste, o banco central precisa escolher entre apoiar o emprego ou conter preços, com implicações diretas sobre a política de juros e o humor dos mercados.
E o Brasil, onde entra nessa história?
Segundo o trio, o efeito sobre o Brasil é macroeconomicamente pequeno, pois o país é uma economia fechada e tem pouca exposição direta aos EUA — menos de 2% do PIB. Ainda assim, setores específicos podem ser afetados, especialmente o agronegócio, que depende de estabilidade e boa diplomacia comercial. Um distanciamento de Washington pode reduzir o poder de barganha brasileiro e ampliar a dependência da China, que tende a comprar “a preço de banana”.
Nesse sentido, os especialistas defendem que o Brasil adote uma postura pragmática e negociadora, mantendo portas abertas com todos os grandes parceiros comerciais. A estratégia ideal seria se posicionar como fornecedor confiável e neutro em um ambiente global cada vez mais fragmentado.
O pano de fundo político e o risco de um “lame duck”
Além das questões econômicas, há o componente político. A retórica de que “quem paga é a China” serve para mobilizar a base trumpista, mas mascara o fato de que tarifas funcionam como um imposto interno. Caso a economia siga fraca, as eleições legislativas de meio de mandato podem custar cadeiras ao Partido Republicano, limitando o poder de Trump e transformando-o em um presidente com pouca capacidade de aprovação de medidas — o chamado “lame duck”.
Por outro lado, há espaço para negociação: com o tempo, tarifas devem ser ajustadas e suavizadas, à medida que empresas e governos busquem acordos mais equilibrados. O grande risco, porém, é o efeito de curto prazo sobre consumo e investimento, num momento em que os indicadores de atividade já mostram desaceleração.
O que acompanhar nos próximos meses?
- Resultados e projeções de empresas expostas a importados, especialmente no varejo e bens duráveis.
- Variações das margens brutas e dos custos operacionais, que indicarão o momento exato dos repasses.
- Comportamento dos núcleos de inflação e da atividade de serviços, medindo o equilíbrio entre preços e demanda.
- Avanços nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, observando setores sensíveis.
- Posicionamento do Federal Reserve diante do cenário de desaceleração e inflação moderada.
Conclusão
O episódio do Wall Street Cast deixou claro que as tarifas de Trump são um experimento arriscado e inédito na economia moderna americana. Embora o discurso apele à reindustrialização e à proteção do emprego, os efeitos práticos recaem sobre o consumidor, os preços e a previsibilidade dos negócios. Para o Brasil, o impacto direto é limitado, mas o contexto reforça a necessidade de diplomacia econômica ativa e estratégica.
Em suma, o “maior experimento econômico do século” ainda está em andamento — e seus verdadeiros resultados só serão visíveis nos próximos trimestres.