Imagine um cruzamento no qual quatro carros, vindos de direções diferentes, querem passar todos ao mesmo tempo e bloqueiam a passagem uns dos outros. Atrás de cada um deles se forma uma fila de outros automóveis, impedindo que um dos quatro veículos originais possa dar a ré e destravar a interseção. Esse tipo de congestionamento é chamado de “gridlock” nos Estados Unidos. Essa também é a expressão que se usa por lá quando o Congresso fica travado diante de alguma disputa política.
Nos EUA, alguns episódios de gridlock deixaram o Congresso paralisado e travaram o governo, causados principalmente por disputas partidárias sobre financiamentos e políticas públicas. Um exemplo foi o processo de impeachment de Bill Clinton, motivado pelo escândalo envolvendo sua relação extraconjugal com a então estagiária Monica Lewinsky. A Câmara dos Representantes aprovou o processo em 1998 por acusações de perjúrio e obstrução da justiça, mas o Senado absolveu Clinton em 1999, permitindo que ele concluísse o mandato. A contenda polarizou a política americana e dificultou as negociações legislativas naquele período.
Além disso, as gestões de Obama e Trump enfrentaram bloqueios severos para aprovar a reforma da saúde e mudanças nas políticas de imigração. O confronto entre democratas e republicanos gerou longos impasses, limitando a atuação do governo e a introdução de mudanças estruturais no país. Esses episódios ilustram como o gridlock político resulta da combinação de divisões partidárias e regras institucionais específicas que frequentemente paralisam o Congresso.
Podemos enfrentar algo parecido no Brasil já nos próximos dias.
O Brasil vive um momento delicado em relação ao chamado PL da Anistia, que prevê perdão a condenados por atos relacionados à tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro. A proposta, que tramita em regime de urgência, tem dividido intensamente o Congresso e suscita um acirrado impasse político. Enquanto deputados da esquerda manifestam resistência ferrenha contra qualquer atenuação nas condenações, parlamentares do Partido Liberal pressionam por uma anistia ampla que beneficie inclusive Bolsonaro, condenado a mais de 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal.
Em meio a esse cenário, o deputado Paulinho da Força, relator do projeto, já sinalizou que uma anistia “ampla, geral e irrestrita é impossível” e defende transformar a proposta em uma redução de penas, buscando um meio-termo que possa acalmar os ânimos políticos. Enquanto isso, bolsonaristas afirmam categoricamente que “a anistia ampla, geral e irrestrita é inegociável” e mantêm a pressão para garantir um perdão total. Para complicar ainda mais a situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro em entrevista recente que, caso o Congresso aprove o PL, ele não hesitaria em vetá-lo. “Pode ter certeza de que eu vetarei”, afirmou Lula.
Outro fator que pode levar a um impasse político foi a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, de rejeitar a indicação de Eduardo Bolsonaro para a liderança da minoria. Ao indeferir o pedido com base na ausência prolongada de Eduardo do território nacional — o parlamentar está nos Estados Unidos desde fevereiro — Motta frustrou uma estratégia da oposição que buscava blindar o congressista contra a perda de mandato por faltas. Essa rejeição não apenas desarticula a tática da direita, como também pode dificultar acordos e negociações entre governo e oposição, travando votações importantes no plenário.
Essas e outras crises representam um risco claro de gridlock político, com divergências irreconciliáveis entre Poderes, partidos e blocos legislativos que podem paralisar iniciativas essenciais para a governabilidade. A complexidade do tema e as tensões institucionais evidenciam um momento de instabilidade que exige cautela e diálogo para evitar um bloqueio que comprometeria o funcionamento das instituições brasileiras. Para que isso não aconteça, vamos precisar de sangue frio e presença de espírito de nossos líderes políticos, justamente em um momento no qual todos estão de cabeça quente.