A discussão sobre meta fiscal voltou ao centro do debate econômico após declarações de especialistas e sinais de mudança nas diretrizes do governo. Em entrevista recente, o economista VanDyck Silveira classificou eventual alteração da meta como uma “hecatombe econômica”, ao ressaltar que credibilidade é um ativo central para países que dependem de financiamento e investimento privado. Além disso, ele argumenta que mudar as regras no meio do jogo desvaloriza quaisquer metas futuras, fiscais ou de inflação e aumenta o risco percebido.
Nesse sentido, a meta fiscal funciona como âncora:, guia expectativas, ajuda a calibrar decisões de política monetária e reduz incertezas para quem planeja investimentos de médio e longo prazo. Por outro lado, quando a âncora é afrouxada, os prêmios de risco tendem a subir, a política monetária precisa compensar com juros mais altos e o crescimento perde fôlego. Enquanto isso, setores sensíveis ao crédito e ao custo de capital podem adiar projetos, ampliando o hiato entre o que a economia poderia produzir e o que, de fato, produz.
O que é, afinal, uma meta fiscal?
De forma objetiva, a meta fiscal é um compromisso público do governo com um resultado orçamentário (superávit, déficit ou equilíbrio) em determinado período. Ela baliza a trajetória da dívida pública, sinaliza disciplina com gastos e orienta a arrecadação. Quando bem desenhada e cumprida, melhora a previsibilidade do ambiente de negócios e reduz o custo de financiamento do setor público e privado. Quando alterada com frequência ou sem contrapartidas críveis, perde efetividade e credibilidade.
“Trocar a distância no meio da maratona” desvaloriza quem correu as 42km
Silveira usa a metáfora da maratona: reduzir a prova de 42km para 38km no meio do percurso desvaloriza quem treinou e completou o trajeto original. A analogia reforça que metas só cumprem seu papel quando são estáveis e verificáveis. Além disso, revisões de curto prazo sem um plano substitutivo robusto costumam ser interpretadas como fragilidade institucional, o que dificulta a comunicação com investidores e amplia a volatilidade dos ativos domésticos.
Metas críveis ancoram expectativas, metas frágeis desancoram. Se a percepção de risco fiscal aumenta, o prêmio exigido pelos investidores cresce, pressionando os juros de mercado. Por sua vez, juros mais altos encarecem o crédito, reduzem consumo e investimento e, por consequência, moderam o ritmo de expansão do PIB. Além disso, a política monetária tende a ficar mais restritiva por mais tempo para conter efeitos de segunda ordem sobre a inflação.
Qual é o cenário macroeconômico por trás do debate da meta fiscal?
O tema ganha relevância num contexto de desaceleração cíclica e sensibilidade a choques externos. A combinação de aperto monetário recente, desaceleração do investimento e incerteza global exige uma âncora fiscal mais, e não menos, confiável. Por outro lado, flexibilizações pontuais podem ser necessárias em situações excepcionais mas precisam vir acompanhadas de um roteiro claro de convergência para recompor a confiança.
Quais os canais de transmissão da incerteza com a meta fiscal?
- Prêmio de risco e câmbio: piora de percepção eleva CDS e pode depreciar a moeda, encarecendo importados e pressionando preços.
- Curva de juros: alongamento e encarecimento do custo de captação pública e privada, com impacto direto no crédito.
- Investimento produtivo: projetos são reprecificados, prazos se estendem e decisões podem ser postergadas.
- Confiança: consumidores e empresários ficam mais cautelosos, reduzindo consumo e planos de expansão.
O que o governo pode fazer para preservar a meta fiscal?
Alterações de meta fiscal, quando inevitáveis, devem ser acompanhadas de compensações explícitas e verificáveis. Além disso, credibilidade se reconstrói com previsibilidade e execução. Um pacote realista, com fases, metas intermediárias e transparência de contingências, reduz incertezas e ajuda o Banco Central a calibrar a política monetária sem “sobrerreagir”.
- Plano plurianual crível: detalhar receitas e despesas, com medidas permanentes, e não apenas ajustes pontuais.
- Regras claras de gatilho: ativar limites automáticos para gastos quando a trajetória sair do trilho.
- Priorização de investimentos: proteger projetos com maior multiplicador e metas de produtividade.
- Transparência: relatórios frequentes, metas intermediárias e verificação independente.
Que estratégias de investimento considerar em um cenário de meta fiscal incerta?
VanDyck Silveira defende cautela e diversificação. Em momentos de incerteza, investidores avaliam exposição a ativos que protejam contra inflação e volatilidade de juros, e buscam setores mais resilientes a ciclos. Além disso, a gestão de risco, prazos, duration e correlação entre ativos torna-se componente central da carteira. Monitorar a comunicação fiscal e os sinais de execução ajuda a ajustar posições com agilidade.
- Proteções contra inflação: avaliar títulos indexados a índices de preços, conforme perfil de risco.
- Gestão de duration: reduzir sensibilidade a altas de juros quando o prêmio de risco sobe.
- Setores defensivos: ponderar empresas com geração de caixa previsível e baixa alavancagem.
- Diversificação internacional: diluir riscos específicos do país e do câmbio.
A mensagem central é que a meta fiscal, mais do que um número, é um compromisso verificável. Quando cumprida, reduz o custo de capital, melhora a eficiência da política monetária e sustenta o crescimento. Quando flexibilizada sem um arcabouço substituto robusto, eleva o prêmio de risco e exige juros mais altos por mais tempo. Em síntese, credibilidade se constrói com estabilidade de regras, transparência e execução contínua, pilares que definem a atratividade do país para investidores e a trajetória sustentável da economia.