O Instituto Bacarelli, fundado em 1996 pelo maestro Silvio Bacarelli após um incêndio atingir Heliópolis, consolidou-se como referência no uso da música clássica como ferramenta de transformação social. O projeto, que começou com aulas voluntárias, hoje atende mais de 1.600 crianças e jovens em corais, orquestras e grupos musicais, envolvendo também seus familiares em ações culturais e profissionalizantes. Além disso, a presença ativa da Orquestra Sinfônica de Heliópolis, a primeira criada dentro de uma favela, ajudou a reposicionar a comunidade no imaginário paulistano, migrando das páginas policiais para as páginas de cultura.
Em entrevista ao BM&C Talks, o maestro Edilson Venturelli resumiu a missão: a música é o meio, a transformação humana é o fim. Nesse sentido, o Instituto combate dois estigmas de uma só vez, o preconceito contra as favelas e a percepção de que a música clássica é elitista e “inalcançável”. Por outro lado, o trabalho pedagógico, as apresentações e a abertura a diferentes gêneros musicais aproximam públicos diversos, criando pontes entre Heliópolis e a cidade. Enquanto isso, a rotina de crianças circulando com instrumentos nas ruas virou símbolo visível de mudança.
Como vencer o preconceito contra a música clássica?
Venturelli contesta a ideia de que “favela é lugar de bandido” e sublinha a cultura da solidariedade como marca do território. Ele relata que a chegada do Instituto ao bairro, em 2005, fez emergir um novo orgulho comunitário. Além disso, a frase de uma mãe: “Heliópolis continua nos jornais, mas agora na cultura” tornou-se um norte para o projeto. Hoje, o Bacarelli também atende pais com aulas de violão, dança e coral, bem como cursos profissionalizantes, expandindo o impacto para além dos alunos.
O maestro reconhece que, no início, houve resistência até no próprio meio erudito, quando colegas viam com desconfiança a presença do clássico na favela. Nesse sentido, a estratégia do Instituto foi respeitar a cultura local e dialogar com a música popular, a orquestra já dividiu palco com Racionais MC’s, Mike Patton e Chitãozinho & Xororó, entre outros. Além disso, Venturelli lembra que, historicamente, o “clássico” foi a música popular de outras épocas, o que ajuda a desfazer barreiras e abrir o repertório a novos públicos.
Pandemia: da indignação à ação
Durante a pandemia, o Instituto quase fechou por falta de receitas. Ao mesmo tempo, a busca ativa por alunos revelou casos de fome em famílias, o que levou o Bacarelli a reorganizar prioridades. A instituição passou a distribuir alimentos, gás de cozinha e auxílio financeiro e, depois, criou um restaurante social que serve cerca de 17 mil refeições por mês. Além disso, a crise virou oportunidade pedagógica: foram mais de 150 masterclasses online com professores internacionais (incluindo músicos de grandes orquestras), e dois alunos conquistaram bolsas de estudo na Europa.
Em 2021, por edital da Prefeitura de São Paulo, o Instituto assumiu a gestão de 12 CEUs, oito deles dentro de favelas, com responsabilidade por atividades culturais, esportivas e de lazer, além de facilities e manutenção. Para dar conta da escala, o Bacarelli estruturou um Centro de Serviços Compartilhados (compras, RH, jurídico, comunicação e facilities), profissionalizando processos e fortalecendo a transparência na gestão de recursos. Nesse sentido, Venturelli defende que o terceiro setor adote práticas de excelência administrativa para ganhar confiança da sociedade e das empresas.
Quando a sala de concertos de Heliópolis será inaugurada?
O Instituto constrói a que deve ser a primeira sala de concertos em um território de favela, com acústica de alto padrão, fosso de orquestra e materiais certificados. A previsão do maestro é concluir a obra no fim de setembro e inaugurar entre o fim de outubro e o início de novembro. Além disso, o espaço terá programação diversa, da sinfônica ao rap, e um circuito SPCINE para levar cinema comercial gratuito à comunidade. Assim, Heliópolis entra de vez no mapa cultural de São Paulo, derrubando preconceitos e atraindo públicos de toda a cidade.
A Orquestra Sinfônica de Heliópolis já viveu experiências marcantes em megaeventos, como Rock in Rio e The Town, e volta a se apresentar no festival com o The Town Experience (pós-show) nas cinco noites, além de um concerto de uma hora no Palco Quebrada. Segundo Venturelli, ver 110 mil pessoas acompanharem a orquestra ao lado de Chitãozinho & Xororó, por exemplo, tem efeito direto na autoestima dos jovens músicos e de toda a comunidade.
Instituto Bacarelli e o significado da Música Clássica
- Atendimento anual a aproximadamente 1.600 crianças e jovens em música;
- Envolvimento de famílias em aulas de violão, dança, coral e cursos profissionalizantes;
- Gestão de 12 CEUs em São Paulo, com mais de 170 mil pessoas inscritas e milhões de atendimentos ao ano;
- Criação de restaurante social com cerca de 17 mil refeições por mês para a comunidade;
- Realização de 150+ masterclasses internacionais durante a pandemia e concessão de bolsas no exterior a alunos;
- Construção da 1ª sala de concertos em uma favela, com programação plural e cinema gratuito via SPCINE.
Para o maestro, reduzir a distância entre quem “tudo tem” e quem “nada tem” é tarefa da sociedade e não só dos governos. Além disso, ele defende o uso das leis de incentivo por empresas e pessoas físicas como instrumento de cidadania e impacto local comprovável. Enquanto isso, o modelo de gestão do Bacarelli, que alia excelência artística, foco social e eficiência administrativa, aponta um caminho replicável para outras organizações. Em última análise, a música segue como linguagem que humaniza, educa e integra, oferecendo a Heliópolis e a São Paulo um repertório de oportunidades para o presente e o futuro.
 
			



 














