O tom dos discursos de abertura do Fórum Lisboa revelou o crescente protagonismo do Judiciário brasileiro em temas sensíveis e estruturais, como a regulação da inteligência artificial, a governança digital e os desafios da sustentabilidade. Por trás das falas institucionais, o que se discute é como os tribunais e o Estado estão moldando as novas regras do jogo num Brasil onde as reformas estruturantes parecem cada vez mais distantes.
Logo no primeiro painel do fórum, ministros e juristas debateram os desafios constitucionais impostos pela inteligência artificial. Para os participantes, o avanço tecnológico exige limites claros — inclusive para o próprio Estado. O uso de algoritmos em decisões públicas levanta questões sérias sobre transparência, responsabilidade e possíveis violações de direitos fundamentais. Muitas dessas demandas já começam a chegar ao Judiciário antes mesmo de serem debatidas no Congresso.
Gilmar Mendes, ministro do STF, destacou no fórum: “a revolução tecnológica também está aí e é uma preocupação nossa. A regulação das plataformas, da inteligência artificial, está na pauta. O Supremo acabou de decidir sobre essa questão, e cada país tem suas peculiaridades. Certamente podemos avançar mais.”
A regulação do poder das big techs também foi tema de debate, evidenciando a tensão entre garantir liberdade de expressão e preservar o ambiente de negócios no ambiente digital.
Ciro Nogueira, deputado federal, criticou a polarização política e cobrou responsabilidade institucional: “estamos no meio de uma crise institucional. O Judiciário é contestado. O Executivo é contestado. O Legislativo também é contestado. Precisamos ter responsabilidade com o país.”
Sustentabilidade e indústria química em foco no fórum
Outro ponto alto do dia foi a discussão sobre o impacto da agenda ambiental no desenvolvimento econômico. Representantes da indústria, governo e especialistas debatem os rumos do setor diante da pressão regulatória e das metas climáticas globais.
André Cordeiro, presidente executivo da Abiquim, destacou a relevância econômica e social do setor: “estamos falando de uma indústria no Brasil que fatura 160 bilhões de dólares, quase um trilhão de reais, e que emprega mais de dois milhões de pessoas, direta e indiretamente. É a indústria que mais arrecada tributos — entre 30 e 40 bilhões de reais ao ano.”
Segundo Cordeiro, o Brasil enfrenta o mesmo risco que a Europa, onde inúmeras fábricas químicas foram fechadas, e defendeu agilidade na aprovação de marcos regulatórios para garantir previsibilidade ao setor.
Tensões institucionais e equilíbrio fiscal
A discussão sobre sustentabilidade abriu espaço para outro tema delicado: o equilíbrio fiscal e a recente crise entre os Poderes. A queda do decreto do IOF, seguida do recurso do Executivo ao Supremo, acentuou o desgaste entre o Planalto e o Congresso. Parlamentares classificaram o movimento como uma tentativa de reverter no Judiciário o que já foi rejeitado no Legislativo, reacendendo o debate sobre os limites da atuação constitucional.
O encerramento do primeiro dia reuniu nomes centrais do debate jurídico e político, com foco na atuação do Supremo em meio à polarização e à ausência de reformas estruturais.
Michel Temer, ex-presidente da República, resumiu o momento: “pode-se falar em separação dos Poderes, mas essa separação é determinada pela única autoridade do país, que é o povo. Quando há desobediência ao texto constitucional, surgem divergências. O problema é que faltou diálogo.”