A fragilidade do atual arcabouço fiscal brasileiro voltou ao centro do debate após novo relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgado nesta semana. Segundo o documento, o modelo em vigor já apresenta sinais de esgotamento e poderá se tornar inviável a partir de 2027, quando os precatórios voltam integralmente ao teto de gastos. Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, o diagnóstico não é novidade: “O arcabouço já nasceu morto. Já era mal desenhado desde 2023”, resume.
Na avaliação de Vale, o principal problema é estrutural. O arcabouço depende de metas fiscais ambiciosas, crescimento automático de despesas de 2,5% ao ano e múltiplas exceções que reduzem sua eficácia. “A sustentabilidade está comprometida. O modelo atual não consegue conter o avanço dos gastos e exige uma arrecadação extremamente otimista para funcionar”, afirma.
Meta fiscal distante da realidade
O relatório da IFI também classifica como “inatingíveis” as metas do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026 a 2029. O governo projeta superávits crescentes, partindo de 0,25% do PIB em 2026 e chegando a 1,25% em 2029. Para Vale, esses números não refletem a realidade fiscal brasileira.
“2026 já será um desafio enorme. Em ano eleitoral, não haverá espaço político para fazer o contingenciamento necessário. A chance de o governo revisar a meta no meio do caminho é muito alta”, explica.
Segundo ele, o cenário atual exige uma reforma mais ampla, que envolva não apenas os gastos obrigatórios, mas também uma reavaliação do sistema tributário e das emendas parlamentares. “Não dá para resolver isso apenas com cortes pontuais. Precisamos de um redesenho institucional que envolva Executivo, Legislativo e Judiciário”, completa.
Fiscal segue sendo preocupação: déficit continua alto mesmo com cortes
Mesmo com o contingenciamento de R$ 31,3 bilhões já anunciado no orçamento de 2025, a IFI projeta um déficit de R$ 83 bilhões. E esse número pode aumentar, segundo Sérgio Vale. “Vai ser necessário mais um bloqueio de pelo menos R$ 20 bilhões no segundo semestre. A gente faz esforço fiscal todo ano, mas ainda assim mantém déficits elevados. Isso mostra o quanto estamos longe de um ajuste verdadeiro”, alerta.
Fiscal no radar: sem espaço político para reformas até 2026
Na leitura do economista da MB Associados, nenhuma reforma fiscal estruturante será viável antes de 2027. O segundo semestre de 2025 já será dominado pela lógica eleitoral, com o Congresso se movimentando para as eleições municipais de 2026 e os principais atores políticos divididos entre reeleição, polarização e incertezas jurídicas.
“O ambiente político está travado. Lula ainda não sabe se será candidato, Bolsonaro segue inelegível, e o Judiciário continua no centro do debate institucional. Não há clima para mexidas profundas na política fiscal antes de um novo governo assumir”, avalia.
A expectativa, segundo Vale, é que o próximo presidente, seja ele Lula ou outro nome, tenha que encarar o desafio de redesenhar o regime fiscal com medidas mais duras e impopulares. “Quanto mais se adia o ajuste, mais doloroso ele se torna. Em 2027 não teremos mais como evitar uma reforma”, finaliza.