Um estudo brasileiro trouxe uma nova perspectiva sobre a função do espermatozoide, diferente daquela conhecida nos mamíferos, a de reprodução. A pesquisa revelou que gametas masculinos infectados pelo vírus da Covid podem apresentar uma resposta imunológica semelhante àquela observada em células do sistema imunológico.
O professor Jorge Hallak, da Faculdade de Medicina da USP e do Grupo de Saúde Masculina do Instituto de Estudos Avançados (IEA), está otimista com as novas descobertas e com as possibilidades de avanços científicos: “Estamos estudando abrir uma nova linha de pesquisa gigantesca. Nós não sabemos se isso aqui só foi visto agora na Covid, provavelmente deve existir em outras doenças e nunca foi relatado”.
O que foi descoberto?
A pesquisa realizada pela USP indica que o SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, pode permanecer nos espermatozoides de pacientes por um período considerável, mesmo após a recuperação da doença.
Durante seu trabalho no Hospital das Clínicas durante a pandemia, Jorge Hallak estudou a relação entre os testículos e o coronavírus e algumas descobertas impactantes foram feitas. “Dentre elas, nós vimos, por exemplo, que os pacientes que faleceram tinham o vírus presente em todas as células do testículo”, ele relata.
Surpreendentemente, mesmo com a presença do vírus em todas as células testiculares, o sêmen ejaculado não apresentava carga viral de Covid. O achado mais curioso foi que alguns espermatozoides dentro do testículo mostravam altos graus de lesão, apontando para uma resposta imune desconhecida até então.
- Presença viral prolongada: O estudo demonstrou que o vírus pode ser detectado nos espermatozoides até 90 dias após a alta hospitalar e até 110 dias após a infecção inicial.
- Qualidade do sêmen: A presença do vírus parece estar associada a uma redução na qualidade do sêmen, o que pode ter implicações para a fertilidade masculina.
- Mecanismos de defesa: Os espermatozoides parecem ativar mecanismos de defesa contra o vírus, mas a eficácia desses mecanismos ainda não está totalmente compreendida.
O espermatozoide e sua função imunológica
A pesquisa revelou que os espermatozoides infectados lançavam seu próprio DNA para capturar os vírus, sacrificando-se no processo, mas levando consigo centenas ou milhares de vírus. Esse mecanismo é comparável ao comportamento de células do sistema imunológico, marcando a primeira vez que uma função não reprodutiva foi documentada em uma célula reprodutiva.
“É a primeira vez na literatura científica mundial que numa célula reprodutiva é demonstrada uma outra função”, explica Hallak. Ele compara essa ação à de células de defesa do organismo, que se suicidam para matar o invasor. Esta função foi observada em cerca de 80% dos pacientes infectados analisados.
Quais são as preocupações em relação a reprodução assistida?
Essa descoberta gerou não apenas entusiasmo científico, mas também questões práticas. Hallak e seus colegas já cogitam recomendar que homens com Covid aguardem pelo menos seis a nove meses antes de prosseguir com técnicas de reprodução assistida. Isso porque pode haver uma injeção indesejada de espermatozoides infectados nos óvulos durante a inseminação in vitro, potencialmente resultando em abortos e falhas de gravidez.
Além disso, estudos em ratos já demonstraram a possibilidade de transmissibilidade do vírus para os embriões, uma vez que o espermatozoide esteja infectado. “Esse vírus dentro do embrião não é algo interessante. Isso deve estar resultando em uma maior quantidade de abortos e falhas de gravidez”, alerta Hallak.
O que isso significa?
É importante ressaltar que a presença do vírus nos espermatozoides não significa necessariamente que a transmissão sexual do vírus seja possível. No entanto, a pesquisa sugere que a Covid-19 pode ter efeitos a longo prazo na saúde reprodutiva masculina e merece mais estudos.
É fundamental destacar que:
- Mais pesquisas são necessárias: Os estudos sobre a Covid-19 e a fertilidade masculina ainda são incipientes e mais pesquisas são necessárias para compreender completamente os mecanismos envolvidos e as implicações clínicas.
- Cada caso é único: A resposta individual ao vírus pode variar significativamente, e a presença do vírus nos espermatozoides pode não ocorrer em todos os casos.
- Consulta médica: Homens que tiveram Covid-19 e estão preocupados com a fertilidade devem procurar um médico para avaliação e acompanhamento.
Perspectivas futuras e impactos na ciência
A hipótese do professor Hallak é que essa função imunológica dos espermatozoides pode ser uma característica antiga da evolução, quando as células desempenhavam múltiplas funções no organismo primitivo. “É como se um jogador de futebol fosse goleiro, atacante, centroavante, defesa e meio-campo”, ilustra ele, indicando que funções sexuais e imunológicas se intercalavam numa mesma célula.
Essa linha de pesquisa abre portas para entender como outras doenças virais podem afetar células reprodutivas e as possíveis implicações para a saúde masculina. A descoberta de Hallak e sua equipe pode redefinir a compreensão das funções celulares e impulsionar novas pesquisas sobre a intersecção entre reprodução e imunidade.
Em resumo, a descoberta inédita sobre o papel imunológico do espermatozoide representa um avanço significativo na ciência médica e levanta importantes questões para a reprodução assistida. À medida que mais estudos são realizados, novas práticas e recomendações poderão surgir, visando a segurança e a eficácia das técnicas de reprodução assistida em tempos de pandemia.
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