A recente decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, de autorizar a retirada de gastos para o combate a queimadas do orçamento fiscal reacendeu o debate sobre a gestão das contas públicas no Brasil. O anúncio, que permite o uso de crédito extraordinário para lidar com incêndios florestais, foi recebido com críticas e elogios. Enquanto alguns apontam para o risco de uma nova onda de “contabilidade criativa”, outros defendem a medida como um mecanismo legítimo para responder a emergências.
Visão crítica
O economista VanDyck Silveira, conhecido por suas análises contundentes sobre a política econômica, fez duras críticas à decisão. Durante entrevista à BM&C News, ele afirmou que essa manobra representa uma “pedalada fiscal”, um termo que faz referência à manipulação das contas públicas para mascarar o cumprimento de metas fiscais, prática que já gerou controvérsias no passado recente.
Segundo VanDyck, ao retirar essas despesas do arcabouço fiscal, o governo estaria recorrendo a uma prática de “contabilidade criativa”, similar àquelas usadas em outros momentos críticos da economia brasileira. “Se há um arcabouço fiscal, ele precisa ser respeitado, ser crível e exequível. O que vemos aqui é a sua completa desconsideração”, afirmou o economista, ressaltando que a medida enfraquece a credibilidade das contas públicas.
Para ele, a decisão de Dino é problemática porque não apenas desrespeita as regras fiscais, mas também abre precedentes para que gastos extras sejam justificados em situações que deveriam estar previstas dentro de um orçamento mais robusto. “Há uma colusão entre o Executivo e o Judiciário para permitir essas flexibilizações. No fim, quem paga o preço é a estabilidade econômica do país”, concluiu.
Defesa técnica
Em contrapartida, Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-Secretário da Fazenda de São Paulo, vê a questão sob uma ótica diferente. Para ele, a decisão do Ministro Flávio Dino não representa, necessariamente, uma violação das regras fiscais, mas sim a aplicação de um dispositivo constitucional que já prevê o uso de crédito extraordinário em casos de calamidade pública, como queimadas. “A Constituição, no seu artigo 167, já permite a utilização de crédito extraordinário para eventos emergenciais, como queimadas. Isso não fere diretamente a dinâmica fiscal, desde que o governo se comprometa a compensar esses gastos com um esforço fiscal em outras áreas”, explica Salto. Segundo ele, o desafio está na má gestão orçamentária, que precisa prever com mais clareza fundos de contingência para esses eventos inesperados.
O economista destaca que a estabilização da dívida pública requer um planejamento rigoroso, com superávit primário consistente, mas ressalta que a decisão de Flávio Dino não pode ser comparada a outras tentativas de contabilidade criativa, como a recente inclusão de programas sociais fora do orçamento. “É importante separar o joio do trigo. O uso de crédito extraordinário para queimadas é legítimo e constitucional. O problema está em como o orçamento é gerido de forma geral, com emendas parlamentares absorvendo recursos que poderiam ser destinados a emergências reais”, alerta Salto.

O debate entre os economistas reflete uma questão central para a política fiscal brasileira: como equilibrar a necessidade de responder a eventos climáticos e outras emergências com a obrigação de manter as contas públicas em ordem? De um lado, há a preocupação com a integridade do arcabouço fiscal e a credibilidade da política econômica. De outro, a necessidade inegável de lidar com crises inesperadas, como as queimadas e enchentes que assolam o país.
A decisão do STF, embora polêmica, levanta um questionamento crucial: o orçamento brasileiro está preparado para lidar com esses desafios de forma previsível e sustentável? Enquanto a discussão sobre a “pedalada” ou não das contas públicas continua, especialistas concordam que a melhoria da gestão orçamentária, com espaço para fundos de contingência, é uma necessidade premente para o país.