Quando se observa a atual política externa brasileira, “nunca antes na nossa história…” ficou tão clara a sua intenção! E nem deveríamos perguntar qual ela é, se realmente sabemos o que é uma política externa, bem como o quais são os interesses dos governantes.
Apenas para relembrar, política externa é a forma como um país apresenta seus interesses, seus objetivos, e ajusta eles com os demais países do sistema internacional, bem como com os demais tipos de atores que transitam pelo mundo, formulando este país estratégias específicas de negociação com os outros Estados, além de estratégias para lidar com os demais tipos de atores, mostrando o que deseja e como vai trabalhar seus interesses com cada um, com grupos de países, com blocos constituídos, com regiões e com o mundo! Não à toa, a política externa é uma política pública que um país desenvolve para suprir às suas necessidades, já que precisa buscar fora do seu território o que necessita e não dispõe internamente!
O prêmio Nobel
Por mais assustador que possa parecer, hoje, ao que tudo indica, o que se quer para o Brasil é apenas que ele apareça em um lugar no qual receba holofote, independentemente do que seja melhor para o seu povo, para a sua grandeza, para os seus interesses, pois, assim, se conseguirá criar para um indivíduo específico a condição para que ele se cacife em ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz! Talvez até ganhá-lo, caso um número suficiente de indivíduos consiga ser convencido! Os interesses brasileiros, terroristicamente, que se explodam!
Para chafurdar no caminho que convencerá o Comitê Norueguês do Nobel, cujos membros são escolhidos pelo Parlamento da Noruega, tudo será válido, talvez até mesmo proteger a Amazônia com o auxílio de um Fundo que tem como principal e maior doador a… Noruega (mais de 90%), situação que, certamente, é apenas uma coincidência! Coincidência quase tão grande quanto o fato de o governo norueguês ser, também, o principal sócio de uma empresa chamada Hydro, a mesma que causou contaminação ambiental na região amazônica e foi multada, mas reclamou muito e quase disse ser perseguida por lacradores ecoterroristas.
Segundo um jornal insuspeito nesse quesito, já que está falando indiretamente dos amigos, “Por meio da Hydro, o governo norueguês é acionista majoritário de duas grandes mineradoras na região: Albrás, que produz alumínio a partir da alumina (óxido de alumínio), e Alunorte, que realiza o processo de obtenção da alumina a partir da bauxita – ambas compradas da Vale, que ainda é acionista minoritária” (G1 – 28/06/2017 14h34 – citando a BBC).
Sobre a contaminação, não é o caso aqui, mas basta procurar! Certamente, o resultado da pesquisa deixará todo brasileiro aliviado com a proteção dada pelos europeus à nossa Amazônia, quer dizer, a Amazônia de alguém, que ainda se saberá quem é, quando os próximos quatro anos se desenrolarem! Mas o que nos importa neste momento é entender a importância de receber um Nobel, em especial o da Paz!
Houve época em que o Prêmio era visto como o que há de mais nobre para alguém, ainda que tenham ocorrido entregas estranhas, como a do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina que foi dado ao inventor da Lobotomia, em 1949, o neurologista português António Egas Moniz, “pela descoberta do valor terapêutico da leucotomia em certas psicoses”. Ah…, leucotomia era o nome original da lobotomia. Ou indicações estranhas, mesmo que tenham sido feitas por chacota ou ironia, como a sugerida em janeiro de 1939 ao Comitê do Nobel norueguês pelo socialdemocrata sueco Erik Brandt, para ser dada a um certo austríaco que governou a Alemanha na década dos 30 e metade dos anos 40, devido “ao seu ardente amor pela paz”.
Era uma ironia, obviamente, mas deixou todos estarrecidos, e muito claro para o público que qualquer coisa ou porcaria pode ser indicada ao Prêmio, e se não houver atenção pode até ganhar (!!!!), lembrando que, no caso daquele austríaco, assustadoramente, surgiram pessoas na época que acharam de uma grandeza fantásticas o tal austríaco ter adiado a guerra quando ele negociou os Sudetos da Tchecoslováquia no ano anterior, ficando naquele momento unicamente com esta região, os Sudetos. Apenas para trazer mais estarrecimento, curiosamente, fez essa negociação com personalidades europeias que diziam pensar o melhor para o mundo e para a própria Tchecoslováquia, isso enquanto as autoridades tchecas esperavam o resultado numa sala separada, sem participar da reunião e sem saber o que decidiam sobre o seu território e o seu povo!
Graças a Deus é um tempo que não voltará mais, exceto, talvez, se os Sudetos de hoje tenham ficado verdes por estarem cobertos de florestas e estejam na América do Sul e não na Europa! E, também, se as “autoridades tchecas” de hoje, ao invés de ficarem indignadas por não participarem da reunião, façam questão de participar dela porque mais vale um Nobel na mão que um povo enriquecendo e um país desenvolvido voando!
Mas o ponto principal é a propaganda! De outra forma, o que importa é a vitória de uma medalha de ouro dada por pessoas que hoje vivem de aparência e lacração, pouco se importando com a realidade e a decência, mas apenas com os proveitos próprios! Essa vitória será fantástica para peças publicitárias futuras, ainda mais quando se quer ficar ao menos 12 anos no poder para concluir a obra.
E por falar em obra, as únicas imagens que vem na cabeça sobre ela são a pintura de Hieronymus Bosch retratando o inferno (em 1504) e a do italiano Coppo di Marcovaldo, que é uma visão inspirada em Dante Alighieri, certamente para a descrição de cenas do inferno, isso no século XIII. Ou, para ser mais brasileiro e contemporâneo, pode também significar o resultado do verbo usado pelas pessoas do campo que, quando já trabalharam e não tiveram tempo de ir em casa à toalete (toilette, para os puristas), vão atrás da moita “obrar”, sendo a “obra” o seu resultado. Para os que duvidam, se preparem para as invasões de propriedades e futuras reivindicações dos variados sindicatos do crime!
Se este drama acontecer, vencer a medalha, tal qual seria a tragédia de o austríaco ter ganho esse Nobel da Paz (impossível naquela época, pois era uma ironia, tanto que o Comitê retirou a indicação), todo um passado seria apagado, seria algo como a Graça de Deus, só que vinda do lado sombrio da força! Não esqueçam, a Graça é o perdão dado por Deus ao PECADOR!
A questão é que esse símbolo de receber um Nobel, como uma espécie de Graça, ao que tudo indica, vale a pena e tudo será feito para tanto. O problema é que erros tolos são cometidos, por intenções não tolas, mas reais, porque dizem respeito à verdadeira natureza das ideias e à verdadeira essência das almas das pessoas. Talvez seja o que ocorreu recentemente na China.
Visita do Brasil à China
Em uma visita com pretensão maravilhosa chegou o governo brasileiro neste país com intenções claras de intensificar as aproximações comerciais, técnicas, científicas, tecnológicas, culturais, midiáticas, políticas, estratégicas, financeiras, ou seja, realizar aproximações de todas as naturezas, demonstrando de que lado se está e o que se pretende: ter a China como o parceiro preferencial do país, podendo vir a ser parceira automática, talvez até a única.
Primeiro, parabéns aos chineses. São brilhantes e trabalham com uma capacidade estratégica superior, não à toa serão os protagonistas do século XXI, mesmo porque, como todo predador de alto nível, sentem longe o cheiro da fraqueza, o odor do feromônio dos prostituídos, sedentos por alguém que os possua, mesmo que ao custo de seu próprio povo! Mas, havemos de ser honesto e devemos admitir que os acordos são de grande valia, pois se intensificará e ampliará a pauta comercial do país, que, hoje, tem o mais competente setor agropecuário do mundo. O Problema é saber até quando terá!
A ordem multipolar
Para além disso, nosso governo deixou claro que apoia a visão de um mundo multipolar, algo importante e, curiosamente, também digno de aplausos, pois, para os leitores de Raymond Aron, que apesar de ser datado (décadas de 60 e 70, em especial) acertou quando disse que um sistema multipolar era muito mais estável, por isso, mais capaz de garantir a paz.
Mas, ao apostar nesta leitura do mundo e apoiar a China, deixaram nossos governantes, muito claro para todos que mentiram para os EUA e, juntamente, que também mentiram para todo o Ocidente, uma vez que se apresentaram até muito recentemente apoiando os discursos ocidentais em defesa do modelo ocidental de Democracia, dizendo, inclusive, que eram porta-vozes desse padrão, tanto quanto os demais ocidentais, e que representavam a defesa contra um monstro antidemocrata que estava seduzindo o Brasil com ideias perigosas de liberdade, decência, família, Deus e cristianismo.
As contradições
Deixando de lado essa questão de política internacional e filosofia política e moral, os acordos firmados são grandiosos, a questão é como tratará das contradições que emergiram diante dos apoios dados e recebidos. Admitamos, ao menos não será chamado de mentiroso quando disse considerar como equivalentes Angela Merkel e Daniel Ortega, já que a única coisa que os diferenciava, segundo entendia, é o lugar do mundo em que cada um ficou 15 anos no poder. No mais, parece que via como idênticos!
Além disso, também devemos considerar de forma muito criteriosa o acordo de conteúdos de mídia que foi firmado entre os dois países, pois isto é mais um gol de placa da China, que é mestra em diplomacia pública e, ao assinar esses acordos, conseguirá colocar seus conteúdos no Brasil, peneirados e construídos pelos órgãos adequados de Pequim, e filtrar os brasileiros, para que não poluam a sociedade chinesa! São brilhantes!
Mais uma vez, o problema é que essas contradições vão bater muito fundo no coração dos ocidentais, que achavam que tinham problemas com o Brasil porque um tolo ousou dizer que só conversaria se fossem respeitados e considerados os objetivos dos brasileiros, e não queria saber de acordos multilaterais porque neles se estava ignorando os interesses nacionais do Brasil! MONSTRO…!
Visita de Sergey Lavrov ao Brasil
O mais recente problema dessa contradição que o governo atual está vivendo apareceu em território brasileiro: o Premiê da Rússia, Sergey Lavrov, aportou no Brasil! Para entendê-lo é importante observar a grandeza desse acontecimento, associado a tudo o que se falou sobre o fenômeno atual da guerra e o desejo incontrolável, quase como o impulso de um maníaco sexual pelo Nobel da Paz!
Lavrov não é uma figura qualquer. Ele é uma das grandes personalidades da Rússia, uma das autoridades mais fortes que, se não tem independência em relação ao Presidente, tem uma autonomia que poucos têm. Ele representa o país, o governo, o presidente e, sem receios de cometer erros, a si próprio. Lavrov é um homem forte e claro em suas intenções, com uma força forjada ao longo de muitos anos ao lado do líder máster, em um país cujo povo ama a lealdade e odeia a traição. Considerações muito caras aos seus líderes! E nisso estão certos, diga-se de passagem, pois é uma regra da vida: deseja-se a traição, despreza-se o traidor!
Voltando a Lavrov, ele tem capacidade de apontar caminhos e levar a Putin sugestões com muito alto grau de probabilidade de serem escutadas, acatadas e executadas. Além disso, veio ouvir o que o Brasil pode dar aos russos para, assim, preservarem sua condição e não desistirem da guerra enquanto não forem garantidos os objetivos que os levaram ao combate: sua segurança! E não recuarão nesse ponto! Somente alguém levemente perturbado para imaginar que depois de um ano de guerra, com bilhões de dólares gastos e centenas de milhares de mortos se conseguirá encerrar tudo com um pedaço de terra e um aperto de mão.
A guerra criou um impasse do qual dificilmente se sairá sem a vitória de um os lados, ou o esgotamento total de ambos, ou um acordo mundial para restaurar aos dois a sua condição originária, bem como que seja cedida a exigência de cada um deles, além de fornecidos recursos para se reconstruírem. Alguém apostar que tem capacidade de fazer esse acordo mundial numa mesa de boteco é quase tão infantil quanto chegar em Israel e dizer que os judeus têm de começar ouvir e parar de se defenderem daqueles que lhes atacam. Glória ao Senhor que ninguém seria tão tolo ao ponto de ir lá e falar algo tão simplório.
Mas, se se deseja conseguir a paz, como uma espécie de anjo enviado por Deus, e com isso se credenciar a deitar com a medalha do Nobel, não parece ser muito inteligente declarar que os ocidentais e Zelensky são os culpados pelo início e continuidade da guerra, alimentando-a a cada dia. Não nos assustemos se os ocidentais concluírem que a mesma guerra continua por culpa de traidores que foram nas suas casas e mentiram que buscavam a paz e queriam preservar a Democracia, tanto que fizeram todo o imaginável para retirar do poder algum monstro cristão! Ocidente…, não esqueça, você é cristão, sem que, ao falar isso, se queira dizer que se deve afastar as demais religiões, mas apenas que é muita burrice apoiar alguém que despreza aquilo que você é! Além disso, numa versão livre para o inglês, engulam que, agora, vocês, ocidentais, em especial você, Sua Excelência Joe Biden, terão de pagar a conta por terem brincado de “Do the L”.
A vinda de Lavrov é importantíssima. O povo russo tem uma grandeza excepcional, tanto quanto o povo ucraniano (por favor, não se irritem, considero o mesmo povo!) e é importante que nenhum seja jogado no canto por razões de poder das grandes potências, mas será necessário ter capacidade estratégica e moral para lidar com isso!
O governo brasileiro anterior conseguiu uma proeza, diante do mundo posicionou o Brasil como Estado, dizendo que reprovava a guerra e qualquer coisa que pudesse prolongá-la, e atuou como governo do Brasil, ao dizer que nada iria se sobrepor aos interesses do nosso povo, que deveriam nortear nossa conduta a cada momento. De certa forma, repetiu o “Pragmatismo Responsável” de Ernesto Geisel e conseguiu a majestade de garantir a nossa economia quando todos estavam se perdendo e fracassando.
Este atual parece querer repetir a “Equidistância Pragmática” de Getúlio Vargas, quando se negociou com dois lados que estavam em guerra para obter a nossa indústria de base, mas, este governo atual quer negociar com quem? Para obter o quê? Talvez, queira apenas garantir investimentos para gerar a conclusão de que estamos recebendo muito dinheiro externo, só que vindo de pessoas que não têm o hábito de serem pacientes ao lidar com crianças e traidores, uns têm 5 mil anos de história, logo todo mundo é criança perto deles, e os outros têm 6 mil ogivas nucleares, sobreviveram a Napoleão, Hitler, Stalin, ao frio de -40º e detestam traição. É bom se preparar para o resultado e para as respostas, pois, se não percebeu, o Brasil tomou um lado!
O pior cenário
Mas para o nosso governo, o pior cenário pode ser que as contradições e discursos perdidos se mostrem causadores de uma reação coletiva por parte exclusiva daqueles que indicam os premiáveis, exceto se negociarem de forma muito dura a salvação da Amazônia brasileira, deixando-a imune à presença infecta da maior das pragas: o brasileiro.
Não duvido que por aqui se chegue à concordância sobre isso e comece a circular nas redes e jornais demonstrações categóricas de que o tipo humano nascido por essas plagas é o que deve ser afastado da floresta e nela tremulem muitas bandeiras, exceto a horrorosa de cor verde e amarela, com uma esfera azul, e uma faixa branca tendo escrito em verde “independência ou morte” (?!?!?!?!?!), tal qual uma grande jornalista de uma das maiores redes de TV do país falou no ar, ao vivo, para todo o país!
No entanto, o mais provável é que as contradições não permitam a continuidade do sonho de grandeza de dormir com uma medalha de ouro, e assim, como no poema de Vinício de Moraes e Tom Jobim, o Soneto da Separação:
“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
(…)
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.” Ou de outra forma: “Era uma vez, um Prêmio Nobel da Paz…!”
*Marcelo José Ferraz Suano é cientista político e internacionalista, professor de Relações Internacionais e diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI).