
Monarquias são fascinantes. Elas inspiram sonhos, fantasias e imaginação. Dos contos de fadas à nobreza e heroísmo dos personagens históricos, monarquias são místicas e idealistas. A nobreza sempre é associada a algo meritório, a um jeito e estilo superior de ser, viver e comportar-se. Monarquias encarnam a nobreza e o senso de dever e honra. De todas as instituições criadas ao longo da saga humana nesta Terra, a monarquia constitucional é, sem dúvida, a mais profunda, querida e eficaz. Este elo mágico, que une as gerações do tempo, mantém viva a memória de uma nação, uma identidade comum e um legado a ser perpetuado.
Walter Bagehot, jornalista britânico, que, em sua obra intitulada “The English Constitution” (“A Constituição Inglesa”), reconheceu que a Constituição precisa de duas partes: a litúrgica (ou digna), como forma de estímulo e preservação da reverência popular, e a eficiente, para utilizar tal reverência nas ações do governo. É necessário que a parte digna atraia do cidadão o compromisso com o país e suas instituições. A monarquia e sua liturgia oferecem a dignidade que o Estado precisa ter perante seus cidadãos e o mundo.
Ninguém, na era moderna, encarnou mais este princípio de dignidade do que Sua Majestade Britânica, a Rainha Elizabeth II. Ela sempre foi o símbolo do serviço abnegado a uma nação, à comunidade de nações (Commonwealth) e ao mundo. Elizabeth II, a despeito de todos os desafios enfrentados em nível pessoal e familiar, sempre encarou o serviço à nação como sua principal prioridade e razão de existir.
Desde sua coroação na Abadia de Westminster, em 2 de junho de 1953 e ao longo de seus mais de setenta anos à frente da Chefia do Estado Britânico, Elizabeth II constituiu o elo contínuo de um país com seu passado, história, tradição e grandes realizações, uma representação viva do Estado britânico em todo o seu esplendor e glória. Obviamente, o Reino Unido tem passado por profundas transformações: deixou de ser o império onde o sol nunca se põe e hoje tem menor resplendor no cenário internacional apesar de ainda ser uma voz muito importante no contexto mundial. À Rainha Elizabeth II e à família Windsor têm cabido manter a unidade nacional, resguardar as tradições e, ao mesmo tempo, aprimorar a instituição em constante rejuvenescimento – apesar das mudanças dos tempos – além de proteger o misticismo da monarquia, sua liturgia e relevância, sempre pautada pelo constante escrutínio da opinião pública.
A frase famosa, por ela dita aos 21 anos de idade, ainda ressoa no tempo: “Declaro perante todos vocês que minha vida inteira, seja longa ou curta, será devotada ao seu serviço e de nossa grande família imperial à qual todos nós pertencemos.” E assim foi com Elizabeth II: uma vida devotada ao serviço público, ao amor à pátria e à preservação do grande legado histórico de seu país. Em momento algum, falhou em suas obrigações e deveres. A figura da nobre soberana, apesar de todas as situações enfrentadas – privadas ou públicas, permaneceu incólume. A segunda era Elizabethana, como vaticinou Winston Churchill, não poderia ter sido melhor conduzida. A jovem Elizabeth jamais se absteve de suas responsabilidades, inclusive atuando ativamente durante a Segunda Guerra Mundial.
As recentes celebrações do Jubileu de Platina II evidenciaram a gratidão e o reconhecimento de um povo à primeira servidora pública, prestando-lhe tributo pelo patrimônio histórico que ela se constituiu ao longo do tempo. A imagem constante de Elizabeth II foi algo que marcou a vida de todos, globalmente falando. Ao longo de seu reinado, pessoas nasceram, viveram e morreram. Ela sempre estava lá, sempre presente, brilhando e encarnando uma devoção ao trabalho que poucos possuem. Aos 96 anos, já no final de sua caminhada neste plano terreno, ainda assim cumpriu seu dever constitucional de aceitar a resignação de um Primeiro-Ministro, Boris Johnson, e convidar Liz Truss, a terceira mulher a assumir a Chefia de Governo do Reino Unido, a formar um governo. Quis o destino que a mulher que teve Winston Churchill como seu Primeiro-Ministro, num mundo então dominado por homens, ao final de sua jornada, visse o empoderamento feminino se consolidando.
Palavras jamais poderão descrever a importância do legado de Elizabeth II. Até porque monarquias são inexplicáveis. Elas simplesmente funcionam bem porque geram evolução sem revolução, além do fascínio por aqueles que são, por vontade popular (ainda que sem voto), constante escrutínio e devoção, encarregados de resguardar as chaves do orgulho nacional e de uma história.
Que Elizabeth II descanse em paz, feliz no reencontro com o grande amor de sua vida, Príncipe Phillip, seu consorte de décadas, com quem manteve a chama do orgulho nacional britânico sempre acesa.
Caberá agora ao novo rei, Charles III assumir o legado histórico de gerações, manter a monarquia britânica viva e exuberante, e renovar a cada geração esta mística de tradição, orgulho, fidelidade e nobreza. Todos nós, que tivemos a oportunidade de viver e experimentar, ainda que à distância, um pouco desta era Elizabethana, observaremos a vida agora de um novo soberano, com suas peculiaridades e não menor devoção à pátria e ao meio ambiente. A tristeza de ver a Rainha Elizabeth II partir é grande. No entanto, a história e a Coroa Britânica seguirão adiante. Que o novo reinado seja longo, próspero e o novo rei siga o exemplo de sua mãe no serviço público. E, a partir de agora, teremos o privilégio de, ainda que à distância, saudar afirmando: “D´us salve o Rei!
*Marcus Vinícius De Freitas, professor visitante, China Foreign Affairs University. Senior Fellow, Policy Center for the New South