
De todos os assuntos financeiros, o mais polêmico é provavelmente o Bitcoin. O ativo, que chegou a registrar uma queda de 50% em 2021, levanta uma série de perguntas sobre a validade e lucratividade das criptomoedas.
Com a expansão do mercado de criptoativos, governos de grandes potências mundiais têm criado moedas digitais, visando possibilitar às pessoas que elas depositem os fundos diretamente por meio de um banco central, sem que necessite de credores convencionais.
As chamadas “govcoins” prometem fazer com que as finanças funcionem melhor, mas implicam em grandes mudanças, retirando o poder de indivíduos, concedendo-o a Estados. Além disso, devem alterar a geopolítica e a alocação atual de capitais. Por isso, alguns especialistas adotam cautela neste tipo de ativo, mas com certo otimismo, ao analisar o assunto.
Em uma análise histórica, não é muito fácil acharmos grandes revoluções tecnológicas relevantes no setor financeiro. Quem pensava a mesma coisa era o ex-diretor do Federal Reserve, Paul Volcker, que disse que a última inovação útil no sistema bancário foram os caixas eletrônicos.
Desde a crise de 2008, os bancos renovaram seu sistema de TI e houve o surgimento das “finanças decentralizadas”, em que o Bitcoin é o líder de um mercado que já conta hoje com mais de 2000 ativos.
A grande questão das “govcoins” é a mudança de paradigma dessas criptomoedas, que centralizam o poder no Estado. Ou seja, é como se os governos dessem um jeito de centralizarem parte de um mercado descentralizado.
A logística da ideia é simples: ao invés de manter uma conta corrente em um banco, realizaríamos nossas movimentações através de um banco central, tendo uma interface parecida a de aplicativos que já existem hoje, como Alipay ou Venmo, serviços de pagamentos digitais terceirizados do Alibaba e PayPal, respectivamente.
De acordo com a matéria publicada pelo The Economist, o novo sistema permitiria que, ao invés de passarmos cheques ou fazermos pagamentos on-line com o cartão, poderíamos utilizar conexões bem mais baratas dos bancos centrais, sem contar que o dinheiro seria garantido pelo Estado e não por um banco passível de falir e com taxas próprias.
Além disso, outro motivador é a promessa de um sistema financeiro melhor. Em teoria, o novo ativo ofereceria uma maneira confiável de armazenar valor, uma lógica estável de contabilidade e uma maneira eficiente de se pagar pelas coisas.
O dinheiro atual não é tão certo assim nestes quesitos. Por exemplo, depósitos não garantidos podem acabar sofrendo caso os bancos venham a falir, as moedas eletrônicas dos governos poderiam ser uma excelente aposta caso os Estados garantam e a utilizem em meios de pagamentos centralizados.
Com essa lógica, as govcoins conseguiriam cortar as despesas de operação do setor financeiro global, que hoje totalizam mais de US$ 350 por ano para cada habitante do planeta.
Além disso, a chegada dos novos ativos poderiam tornar o sistema financeiro acessível para 1,7 bilhão de pessoas que não possuem conta no banco.
Contudo, justamente por conta dessa grande promessa, há um receio de que as govcoins poderiam se tornar a força dominante nas finanças, o que desestabiliza os bancos, além de tornarem possível sistemas de monitoramento pelos quais os Estados seriam capazes de controlar os cidadãos com, por exemplo, multas eletrônicas instantâneas por maus comportamentos financeiros, o que mudaria completamente a geopolítica atual.
“Quando a gente fala de govcoins, estamos falando da implantação do blockchain no sistema governamental, o que me deixa muito feliz, pois estaremos usando o sistema em sua capacidade máxima, abrindo espaço para a tokenização e irá legitimar o mercado cripto, acho que tem tudo para dar certo”, afirma Bernardo Schucman, da Fastblock.
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Corrida das criptos
Por mais futurista que a proposta pareça, ela já está em andamento. Segundo o The Economist, mais de 50 autoridades monetárias, que comandam a maior parte do PIB mundial, já estão explorando as moedas digitais.
A China, por exemplo, já introduziu o piloto do seu yuan eletrônico a mais de 500 mil pessoas, enquanto a União Europeia quer lançar um euro virtual até 2025 e os EUA estão criando um projeto de dólar eletrônico.
Inclusive, o Banco Central do Brasil também está na corrida para uma moeda digital própria, um “real digital” para ser usado em operações no varejo e em pagamentos ligados a outros países.
Em comunicado, o BC informou que, nas diretrizes para a moeda digital brasileira, estão previstas ainda a “ênfase na possibilidade de desenvolvimento de modelos inovadores a partir de evoluções tecnológicas, como contratos inteligentes (smart contracts), internet das coisas (IoT) e dinheiro programável; capacidade para realizar operações online e eventualmente operações offline; ausência de remuneração; garantia da segurança jurídica em suas operações; e a adoção de padrões de resiliência e segurança cibernética equivalentes aos aplicáveis a infraestruturas críticas do mercado financeiro”.
A moeda digital será emitida pelo próprio BC, como uma “extensão da moeda física, com a distribuição ao público intermediada por custodiantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB)”.
Conforme a autarquia, haverá aderência aos princípios e às regras de privacidade e segurança determinados, em especial, pela lei do sigilo bancário e pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).