A recente declaração do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reforçou o tom conservador da autoridade monetária e consolidou a percepção de que os juros continuarão altos por um período prolongado. Ao afirmar que o BC está “bastante incomodado” com a inflação e as projeções ainda fora da meta, Galípolo sinalizou que qualquer movimento de corte na Selic está fora do horizonte imediato. A inflação acumulada em 12 meses pelo IPCA gira em torno de 4,6%, enquanto o centro da meta estabelecida para 2025 é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual.
O Boletim Focus mais recente mostra que o mercado espera uma inflação de 4,7% para 2025 e 4,3% para 2026, além de uma Selic média de 15% ao ano. Esse cenário indica que a desaceleração de preços, embora em andamento, ainda não é suficiente para permitir um relaxamento da política monetária sem comprometer a credibilidade conquistada pelo BC nos últimos anos.
Desalinhamento entre fiscal e monetário mantém juros elevados
A combinação entre um cenário fiscal fragilizado e a resistência da inflação em convergir à meta impõe ao BC uma tarefa delicada: preservar a confiança do mercado sem sufocar a atividade econômica. Para Pedro Da Matta, CEO da Audax Capital, a decisão do BC reflete prudência e estratégia. “A decisão de manter a Selic elevada reflete prudência diante da inflação ainda resistente. O foco é consolidar a credibilidade e evitar cortes prematuros que comprometam a estabilidade. Para as empresas, o crédito segue caro e seletivo, o que reforça a importância do planejamento e do uso de estruturas financeiras seguras”, analisa.
Da Matta destaca ainda que “a meta de 3% só será viável com alinhamento entre política fiscal e monetária. Para o investidor, o cenário segue favorável à renda fixa e ao crédito privado de qualidade, com foco em retorno real e liquidez”. Nesse contexto, a credibilidade fiscal passa a ser tão relevante quanto a condução técnica da política de juros, já que um descompasso entre as duas frentes pode elevar o custo de capital e pressionar o câmbio.
Cenário global reforça postura cautelosa do Banco Central
A posição de Galípolo está alinhada à postura de outros bancos centrais no mundo, que ainda enfrentam o desafio de consolidar o processo de desinflação. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve mantém cautela diante de uma inflação próxima de 3,4%, acima da meta de 2%. Na Europa, o Banco Central Europeu segue com taxas de referência em níveis historicamente altos para conter pressões em energia e serviços.
Esse ambiente internacional de política monetária restritiva influencia diretamente o Brasil, já que uma redução prematura da Selic poderia gerar desvalorização cambial e encarecer importações, alimentando novamente a inflação. Assim, a estratégia do BC é atuar com prudência, garantindo que a trajetória de preços siga controlada mesmo diante de um crédito mais caro para famílias e empresas.
Juros altos favorecem renda fixa e exigem disciplina financeira
Na prática, o prolongamento de juros altos consolida um ambiente de crédito seletivo e oneroso, em que o custo do capital segue desafiador para o setor produtivo, mas favorável aos investidores de renda fixa. Títulos indexados ao CDI e operações estruturadas com lastro real continuam oferecendo retornos nominais entre 13% e 16% ao ano, com menor volatilidade e previsibilidade de fluxo.
Essa configuração tende a beneficiar investidores mais conservadores e empresas com boa gestão de caixa, que conseguem negociar melhores condições de captação. Já para os demais, o cenário exige disciplina financeira e atenção à alocação de recursos, já que a falta de clareza fiscal e a inflação acima da meta tornam a política monetária mais sensível a choques internos e externos. O Brasil entra, assim, em uma fase em que a estabilidade depende menos da taxa de juros e mais da coordenação entre política fiscal, previsibilidade institucional e responsabilidade no gasto público.