À medida que a digitalização avança sobre o espaço urbano, uma nova fronteira de negócios vem ganhando força: o carro como plataforma de mídia. Telas maiores, conectividade contínua e sistemas digitais mais sofisticados estão transformando veículos em ambientes capazes de exibir anúncios personalizados, um movimento que pode alterar a dinâmica de monetização no setor automotivo e no mercado publicitário.
Para entender essa tendência, a BM&C News ouviu Antonio Azevedo, especialista em tecnologias embarcadas e fundador da LogiGo. Azevedo explica como o modelo funciona, quais dados entram na equação e por que o carro pode se tornar uma das telas mais valiosas do mercado.
Toda tela é uma mídia e o carro entrou na conta
A ideia de transformar o cockpit em espaço publicitário não surge do zero. Segundo Azevedo, trata-se de uma continuidade lógica da expansão de telas monetizáveis nas cidades. “Hoje não conheço uma tela que não seja monetizada. De TVs a elevadores, passando por bombas de combustível nos EUA. O carro é apenas a próxima etapa desse movimento.”
O fenômeno ganha tração porque os veículos atuais vêm equipados com centrais multimídia maiores, com resolução superior, interfaces complexas e conexão estável com provedores de dados, algo que há poucos anos era inviável tecnicamente ou financeiramente.
Digitalização urbana e evolução das telas viabilizam o modelo
Para Azevedo, três fatores explicam por que o carro deixou de ser apenas um meio de transporte:
- Telas grandes e de alta definição;
- Conectividade móvel a custo competitivo;
- Infraestrutura digital capaz de coletar e processar dados em tempo real.
Ele lembra que essa ideia não é nova: rádios com tecnologia RDS, há mais de 15 anos, já exibiam mensagens publicitárias enviadas pelas emissoras.
O carro como mídia hipersegmentada: dados, IA e geolocalização
A grande mudança é que, agora, os veículos geram um volume significativo de dados: rotas, horários, padrões de uso e comportamentos do motorista. Isso permite que plataformas digitais adaptem anúncios de forma contextualizada.
“Os dados do carro e do usuário criam um universo enorme de possibilidades. É possível entregar produto ou serviço na mira do consumidor esperado.”
Azevedo destaca ainda o papel crescente das assistentes de IA. “Elas podem conversar com o motorista para entender preferências e aprimorar a segmentação.”
Anúncios que mudam conforme o trajeto
A lógica é semelhante à publicidade baseada em localização usada em smartphones, mas com maior assertividade, já que o trajeto é contínuo e previsível. “Geoposicionamento, horário e comportamento influenciam quais anúncios podem ser exibidos na plataforma do veículo.”
Isso abre portas para campanhas extremamente direcionadas, como promoções exibidas quando o motorista se aproxima de determinado ponto comercial.
Modelos de monetização: como cada agente ganha
A transformação do cockpit em mídia cria uma cadeia de valor que envolve montadoras, motoristas e empresas de tecnologia. Segundo Azevedo, a monetização deve partir do princípio de oferecer benefício real ao usuário.
“A montadora pode, por exemplo, subsidiar o plano de dados em troca da exibição de anúncios. É preciso que o motorista enxergue valor.”
Plataformas digitais podem administrar o inventário publicitário, enquanto montadoras ampliam suas receitas com venda de serviços embarcados.
Onde o modelo já opera no mundo
China, Europa e América do Norte já utilizam sistemas que promovem serviços da montadora diretamente na tela central, além de recursos pagos que podem ser ativados via software.
No transporte comercial, como táxis e veículos de aplicativo, a exibição de anúncios em telas traseiras é prática consolidada há mais de uma década.
No Brasil, pilotos desse modelo começaram a surgir ainda em 2019, marcando o início da experimentação local.
Brasil tem tecnologia e ambiente regulatório favoráveis
Azevedo afirma que o país já possui infraestrutura suficiente para adotar o modelo em escala, e que não há barreiras regulatórias significativas para sua implementação. “A tecnologia já está disponível desde 2019. Não há regulação que inviabilize.”
Com o aumento do número de telas, cresce o debate sobre excesso de estímulos no ambiente urbano. Para o especialista, as estratégias publicitárias devem respeitar o conforto do motorista.
“O ambiente do carro deve oferecer prazer ao dirigir. A publicidade precisa ser planejada com isso em mente.”
A principal restrição, segundo ele, é evitar a distração do condutor: “Não devemos exibir anúncios enquanto o veículo estiver em movimento.”
5G, IA e carros autônomos ampliam o potencial
Com a chegada do 5G, mais dados poderão ser enviados e processados em tempo real, permitindo campanhas ainda mais personalizadas. Nos carros autônomos, Azevedo prevê um salto significativo:
“No carro autônomo, cai a barreira regulatória que impede anúncios em movimento. O potencial de monetização aumenta muito.”
Assim como ocorre nos smartphones, a tela do carro pode se tornar o próximo território estratégico entre fabricantes e empresas de tecnologia. Azevedo acredita que essa disputa será inevitável: “A tela será monetizada com muito mais força. É natural que montadoras e big techs disputem esse espaço.”
O carro deixa de ser veículo e entra no ecossistema de mídia
A publicidade digital vive um novo ciclo, e o carro tende a ocupar um papel central nesse processo. A combinação de dados, conectividade, IA e telas cada vez mais sofisticadas cria um inventário publicitário com potencial de escala global.
O modelo ainda desperta debates sobre privacidade, segurança e saturação, mas caminha para se consolidar como uma das principais frentes de monetização do setor automotivo nos próximos anos.















