A relação entre EUA e China entra em 2026 em uma fase menos barulhenta, mas muito mais decisiva para os mercados. Depois de anos de tarifaço, juros elevados e redesenho das cadeias produtivas, o próximo ano tende a consolidar movimentos que vinham sendo montados desde 2025.
É o que avalia Fabio Fares, especialista em análise macro, em entrevista ao Mercado & Beyond, da BM&C News, apresentado por Paula Moraes.
“2026 não é só uma continuação de 2025, é um novo tabuleiro geoeconômico”, afirma o especialista.
Aproximação pragmática entre EUA e China
Fares destaca uma aproximação prática entre Estados Unidos e China no fim de 2025: telefonema de Xi Jinping para Trump, aumento das compras de soja americana por Pequim e sinais de “redução de fricção”, ainda que sem mudança estrutural na disputa de poder.
Ao mesmo tempo, a China acelera esforços para reduzir dependência tecnológica, em especial na produção de chips, enquanto os EUA mantêm restrições a semicondutores avançados, mesmo negociando flexibilizações pontuais.
Essa combinação reforça o papel central do eixo EUA e China na formação de preços, fluxos de capital e decisões de investimento em 2026.
Cadeias produtivas em movimento e setores em destaque
A guerra tarifária já se traduziu em realocação de fábricas da China para Vietnã, México e Estados Unidos, dentro de estratégias de nearshoring e friendshoring. Países com competitividade, previsibilidade e capacidade de execução tendem a capturar mais investimentos nesse novo desenho.
Na visão de Fares, dois setores globais chegam mais bem posicionados a 2026:
- Indústria – apoiada por investimentos maciços e queda gradual dos juros globais;
- Saúde – impulsionada por novas tecnologias, inteligência artificial e soluções ligadas à longevidade.
Na outra ponta, varejo e real estate nos EUA devem seguir pressionados pela perda de poder de compra das famílias de menor renda e pela sensibilidade a juros ainda elevados.
Juros, crédito e o “fator IA”
Fares projeta um ambiente de juros em queda, mas com debates sobre a velocidade até o nível neutro, em um contexto de inflação ainda próxima de 3% e meta em 2%.
Ele destaca que muitas empresas saem mais preparadas para 2026: cortaram custos, enxugaram folha, ganharam eficiência e ampliaram margens. Ao mesmo tempo, o mercado de crédito americano segue como ponto de atenção, com empresas alavancadas e grande volume de dívidas a serem roladas nos próximos 18 meses.
A inteligência artificial aparece como variável-chave, reduzindo custos e pressionando preços:
“A IA é um ativo deflacionário: aumenta eficiência, diminui custo e muda a estrutura de despesas das empresas”, avalia.
EUA e China: o papel do Japão e o alerta fiscal global
O movimento do Banco Central do Japão, saindo de juros negativos para algo próximo de 0,75%–1%, também reconfigura fluxos globais e estratégias de carregamento de moeda, depois de mais de uma década de dinheiro “quase gratuito” na Europa e no Japão.
Fares lembra ainda que o risco fiscal virou tema global: governos mais endividados, juros mais altos e pouca disposição para cortes de gastos levantam dúvidas sobre a credibilidade das moedas no médio prazo.
Brasil entre a oportunidade e o risco político
No caso do Brasil, Fares vê um contraste: de um lado, um mercado de capitais relativamente bem estruturado entre emergentes, que segue atraindo fluxo estrangeiro; de outro, política externa errática, insegurança regulatória e ruído político em ano eleitoral.
O país segue se vendendo como potencial hub de energia limpa e destino para data centers e reindustrialização, mas ainda não transformou esse discurso em política pública coordenada.
Para 2026, Fares projeta um ano positivo para o mercado brasileiro, com bolsa ainda relativamente barata e juros em queda, mas com forte volatilidade por causa da eleição presidencial.
Como o investidor deve navegar 2026
Ao olhar para o tabuleiro dominado por EUA e China, Fares reforça três pontos para o investidor brasileiro:
- Olhar para dados, não para manchetes – acompanhar mercado de trabalho, inflação, consumo e resultados corporativos, em vez de reagir apenas ao noticiário.
- Diversificar globalmente – usando ETFs de países desenvolvidos e evitando concentrar risco só em emergentes, já que o brasileiro já tem renda e patrimônio atrelados ao Brasil.
- Pensar em longo prazo – tratar mercados desenvolvidos com a lógica de acumulação de ativos em 5, 10, 20 anos, em vez de buscar “acerto rápido”.
Em um ano em que EUA e China redesenham blocos, cadeias e políticas industriais, o recado é que o investidor precisará separar ruído de tendência: acompanhar geopolítica, energia, crédito e fiscal – mas com disciplina, dados e visão de longo prazo.













