A relação entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional atravessa um dos momentos mais tensos do ano. Desentendimentos simultâneos entre os presidentes da Câmara e do Senado com líderes do PT abriram uma crise política que pode afetar votações essenciais, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Enquanto na Câmara o embate entre Hugo Motta (Republicanos-PB) e Lindbergh Farias (PT-RJ) ganhou contornos públicos, no Senado o desgaste entre Davi Alcolumbre (União-AP) e o governo se aprofundou após a escolha de Jorge Messias, advogado-geral da União, para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Rafael Favetti, da Fatto Política, avalia que a crise atual tem dois elementos centrais: o caso envolvendo o Banco Master e a movimentação política em torno da possível candidatura de Tarcísio de Freitas em 2026. “A indicação de Jorge Messias ao STF funciona apenas como um pretexto dentro de um ambiente que já estava tensionado“, destaca.
Para o analista político Anderson Nunes, o cenário atual reflete uma ruptura institucional provocada pela falta de articulação do governo com o centrão. “A ausência de diálogo e o não cumprimento de acordos ao longo do mandato contribuíram para o acirramento simultâneo dos conflitos na Câmara e no Senado“, avalia.
Câmara: troca de farpas e crise política
O clima ruim na Câmara começou durante a votação do Projeto de Lei Antifacção. Lindbergh Farias declarou haver uma “crise de confiança” após o texto do governo ser substituído pelo relatório de Guilherme Derrite (PP-SP). A declaração gerou reação do presidente da Casa.
Hugo Motta afirmou que o projeto não tem viés ideológico e, nos dias seguintes, anunciou publicamente o rompimento político com o líder do PT.
“Não tem coisas vindas dele, o presidente não acolhe”, disse Motta nas redes sociais.
Lindbergh devolveu as críticas, classificando a postura do presidente da Câmara como “conduta imatura”. Em seguida, afirmou que o Congresso “não é um grupo de amigos” e que o Centrão “não indica líder do PT”, em referência indireta ao comando de Motta.
Senado: desgaste após escolha para o STF
No Senado, a tensão se instalou após Lula optar por Jorge Messias para a vaga aberta com a aposentadoria do ex-ministro Luís Roberto Barroso. A expectativa no entorno de Davi Alcolumbre era de que o presidente da República indicasse Rodrigo Pacheco (PSD-MG), aliado do comando da Casa.
Lula chegou a adiar o anúncio e convidou Pacheco para um jantar em Brasília, mas a articulação não foi suficiente para conter o desconforto. Aliados afirmam que Alcolumbre não teria sido comunicado antes da decisão.
O mal-estar levou o presidente do Senado a divulgar uma nota e a pautar, horas depois, um projeto de aposentadoria especial para agentes comunitários de saúde (ACSs) e agentes de combate às endemias (ACEs), matéria considerada sensível do ponto de vista fiscal.
Anderson Nunes considera que a indicação de Messias funcionou como o pingo d’água em uma relação já desgastada. “Alcolumbre havia sinalizado claramente sua posição, mas o Planalto optou por priorizar um aliado em vez de construir uma indicação politicamente negociada“, pontua.
Já Favetti destaca que, diante desse cenário, o governo tentará reforçar a narrativa de que a irresponsabilidade fiscal teria origem em propostas apresentadas pela direita e pelo centrão, especialmente após a reação do Senado.
Alcolumbre também deixou de atender ligações do líder do PT na Casa, Jaques Wagner. A sabatina de Messias na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pode ocorrer apenas em 2026, segundo Wagner.
Crise política: Senado deve votar pauta bomba
Em meio a essa crise política, o plenário do Senado deve votar nesta terça-feira (25) o Projeto de Lei Complementar que concede aposentadoria integral e paritária aos ACSs e ACEs. A proposta já passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Se aprovada, seguirá para a Câmara.
Segundo técnicos do Congresso, uma PEC semelhante, já aprovada pelos deputados, pode gerar impacto fiscal negativo de R$ 11 bilhões nos próximos três anos.
Favetti afirma que as pautas-bomba não afetam apenas o governo, mas também as finanças públicas, o que pode gerar desconforto entre parlamentares por causa das emendas. Para ele, matérias relacionadas à saúde têm alta probabilidade de aprovação e nenhum governo tem força para barrar esse tipo de projeto em plenário. A única forma de impedir o avanço é não pautar.
O analista Anderson Nunes classifica a decisão de Alcolumbre de pautar a proposta como uma reação direta ao governo. Para ele, o Planalto perdeu seu maior escudo dentro do Senado. “Alcolumbre vinha atuando como um amortecedor das tensões entre o governo e a Câmara. A perda desse aliado aumenta o risco sobre votações centrais, especialmente as orçamentárias“, avalia. Sobre o impacto fiscal, Nunes afirma que o governo poderia vetar ou recorrer ao STF caso a proposta avance, mas que judicializar a matéria ampliaria o desgaste entre os Poderes.
Risco fiscal e articulação fragilizada
A aprovação de projetos com elevado impacto fiscal ocorre em um contexto de maior preocupação com as contas públicas e pode pressionar ainda mais a agenda econômica do governo.
Além da pauta previdenciária, a crise política afeta diretamente a articulação das votações da LDO, da LOA e de outras matérias que precisam ser aprovadas até dezembro.
Os líderes do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE), trabalham para tentar reduzir o desgaste e reconstruir a interlocução com os presidentes das duas Casas.














