Quando se trata de gastar o dinheiro público para colher dividendos eleitorais, o governo faz qualquer negócio. Inclusive abusar da criatividade para interpretar as leis que ele mesmo criou. Tome-se como exemplo a mais recente discussão entre o Executivo e o Tribunal de Contas da União. A autoridade federal acredita que as regras do Arcabouço Fiscal, aprovadas em agosto de 2023, valem apenas para 2027. Diante disse, poderia gastar em contratações e reajuste do funcionalismo além do limite estabelecido pela legislação, que é um aumento máximo de 0,6% sobre o montante do ano anterior.
O arcabouço fiscal, criado para frear o ímpeto de gastos da União, prevê punições automáticas — os chamados “gatilhos” — caso a meta fiscal não seja cumprida. Assim, se houver um rombo nas contas, o governo perde no ano seguinte a liberdade de contratar, conceder incentivos e criar novos programas. Mas a Lei Complementar 200/2023, que instituiu esse regime, diz que os gatilhos só entram em cena “no exercício subsequente ao da apuração do resultado”. E é aí que está a brecha que o Palácio do Planalto quer explorar.
Segundo o governo, o resultado fiscal de 2025 só será oficialmente conhecido em 2026. Logo, o “exercício subsequente” seria o de 2027 — e não aquele que será fechado em 2026. Esse entendimento está explícito na mensagem do Ministério do Planejamento que acompanha a LDO de 2026. O texto afirma que a interpretação é “gramaticalmente adequada e alinhada com a intenção do legislador”.
Na prática, isso significa que, mesmo que o governo feche 2025 no vermelho, ainda poderá contratar servidores, conceder benefícios e ampliar gastos em 2026 — ano de eleição presidencial — sem ser acusado de violar o arcabouço. Seria um alívio político para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer turbinar investimentos e programas sociais, mas sem confrontar o Tribunal de Contas da União.
Só que o TCU e técnicos do Congresso não compram essa versão. Para eles, os gatilhos deveriam valer já em 2026, caso o resultado de 2025 seja diferente da meta estabelecida. Adiar as punições fiscais, segundo os especialistas desses órgãos, distorce o espírito da regra que foi desenhada justamente para evitar que o governo use o orçamento como ferramenta política.
No fundo, o que parece uma disputa de interpretações é, na verdade, um embate político. De um lado, o governo quer espaço para gastar em um ano estratégico. De outro, os órgãos de controle tentam garantir que o novo regime fiscal seja levado a sério desde o primeiro teste.
Essa manobra revela não apenas uma interpretação conveniente da lei, mas uma obsessão do governo Lula em flexibilizar regras fiscais para atender a interesses eleitorais imediatos. Ao tentar contornar os gatilhos do arcabouço fiscal, o Executivo demonstra que a responsabilidade com as contas públicas pode ser relativizada quando há votos em jogo. Essa atitude enfraquece a credibilidade das instituições, compromete a previsibilidade econômica e sinaliza que, para a administração federal, a estabilidade fiscal é secundária diante do projeto de continuísmo. Em vez de respeitar os limites legais e fortalecer a confiança na gestão pública, o Planalto parece disposto a fazer qualquer contorcionismo jurídico para manter sua popularidade — mesmo que isso custe caro ao país no futuro.