Os erros do passado deveriam ensinar os governantes a pensarem duas vezes antes de cometer um engano parecido. Mas esse comportamento não é muito comum nas autoridades brasileiras, especialmente quando resolvem interferir na iniciativa privada, tentando baixar os lucros das empresas na base do decreto. A última iniciativa do gênero vem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer colocar um limite nas taxas de administração cobradas pelas administradoras de vale-refeição. No que depender do governo, haverá um limite na cobrança destes encargos administrativos: 3,6% sobre o total dispendido em estabelecimentos comerciais.
O governo acredita que esse limite vai, de um lado, baratear as refeições e, de outro, ajudar os restaurantes a elevarem as suas margens. Ou seja, ficaria bem na fita com trabalhadores e empreendedores. Ocorre, porém, que os vales representam apenas 15% de todo o faturamento do setor, segundo dados da Abrasel, que congrega bares, restaurantes, lanchonetes e similares. Portanto, essa medida não deve mudar os preços praticados no mercado – e a elevação de margens, dependendo do restaurante, será inexistente ou mínima.
Mas estamos próximos de um pleito presidencial e todo o esforço eleitoreiro parece válido para o Planalto. A história recente do Brasil, entretanto, oferece exemplos contundentes de como a interferência estatal na iniciativa privada pode gerar distorções profundas, comprometer setores estratégicos e, no fim das contas, prejudicar o próprio cidadão ao qual se pretendia proteger.
Vamos a três exemplos.
Em 1986, o governo de José Sarney tentou acabar com a inflação usando apenas uma arma: a caneta que assinou a criação do Plano Cruzado, congelando preços e salários. Depois de um breve momento em que tudo parecia ter dado certo, o desabastecimento nas prateleiras começou, já que os custos da indústria continuavam a crescer. Ao mesmo tempo, produtos maquiados para parecerem diferentes começaram a surgir nas gôndolas, livres do congelamento de preços. Os preços congelados, para inglês ver, foram mantidos até as eleições daquele ano e liberados logo depois.
Mais de três décadas após o Cruzado, em 2012, a Medida Provisória 579, lançada pelo governo Dilma Rousseff, prometia reduzir as tarifas de energia elétrica e limitar os lucros das concessionárias. A proposta parecia sedutora: contas mais baratas e empresas disciplinadas pelas novas regras. Mas a realidade foi outra. Ao impor cortes de receita e renovar concessões sob condições desfavoráveis, o governo desestabilizou financeiramente o setor elétrico. Empresas passaram a operar com prejuízo, investimentos foram represados e a dependência de usinas térmicas — mais caras e poluentes — aumentou. O resultado? Um tarifaço nos anos seguintes, com aumentos de até 50% nas contas de luz e mais de R$ 100 bilhões injetados pelo próprio governo para conter os danos. A tentativa de controlar preços sem respeitar a lógica econômica do setor gerou um colapso regulatório e afastou novos projetos.
Seis anos depois, em 2018, o governo brasileiro repetiu a fórmula intervencionista ao instituir a Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas. A ideia era garantir remuneração justa aos caminhoneiros autônomos, diante da alta nos custos operacionais. Mais uma vez, a intenção parecia nobre. Porém, o tabelamento rígido do frete gerou uma cascata de efeitos negativos: aumento nos custos logísticos, queda na oferta de transporte em rotas menos rentáveis, informalidade crescente e ineficiências na cadeia de distribuição. O mercado perdeu flexibilidade e os consumidores pagaram a conta.
Esses episódios revelam um padrão preocupante: a crença de que o Estado pode, por decreto, corrigir falhas de mercado sem provocar desequilíbrios ainda maiores. Ao tentar impor regras artificiais sobre setores complexos, o governo ignora os sinais econômicos que orientam investimentos, produtividade e inovação. Pior que isso: com instabilidade nas regras, afugenta investidores e compromete a competitividade.
A iniciativa privada não é inimiga do interesse público. Pelo contrário. É dela que vêm os empregos, os avanços tecnológicos e a eficiência que o Estado raramente consegue replicar (sem contar a receita que nasce dos impostos). Quando o governo decide intervir, precisa fazê-lo com respeito à lógica que rege a economia. Medidas populistas, ainda que bem-intencionadas, tendem a gerar mais distorções do que soluções.
O Brasil precisa de um ambiente regulatório estável, transparente e que valorize a livre iniciativa. A lição é clara: quando o Estado tenta controlar o mercado à força, quem paga a conta é sempre a sociedade.
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