O BM&C Talks desta semana recebeu o cientista político João Henrique Martins, especialista em economia do crime, para discutir o impacto do crime organizado sobre a economia e sobre a vida dos brasileiros. A conversa, conduzida por Carlo Cauti, abordou custos diretos na indústria, efeitos sobre o PIB e a necessidade de uma arquitetura legal que realmente desestimule a atividade criminosa. As estimativas citadas sugerem perdas nacionais que variam de R$ 180 a R$ 400 bilhões por ano, quando considerados diversos mercados ilícitos.
Além disso, o convidado destacou um dado concreto medido na indústria paulista, que mapeia nove mercados ilícitos, como eletrônicos e combustíveis, com valores que já oscilaram entre R$ 20 e R$ 25 bilhões anuais, apenas em São Paulo. Nesse sentido, a avaliação é que o crime integra cadeias de alto valor agregado e commodites e passa a operar como rede econômica, com escala logística e financiamento próprios, o que eleva a complexidade do enfrentamento estatal.
Quanto custa o crime organizado para o país
O especialista explica que o Brasil carece de estatísticas públicas consistentes e que boa parte das estimativas nasce do setor produtivo e de órgãos de controle. A série da indústria paulista permite mensurar o volume de perdas por roubos, furtos, contrabando e falsificação, observados em nove setores específicos. Em escala nacional, as estimativas menos precisas compõem um intervalo que vai de R$ 180 a R$ 400 bilhões anuais, sem incluir integralmente mercados típicos como drogas e armas, o que sugere um custo econômico ainda maior.
Martins retoma a literatura de Gary Becker para afirmar que o sistema precisa produzir dois efeitos essenciais que são dissuasão e incapacitação. A legislação atual falha ao não elevar o custo esperado do crime e ao permitir progressões e benefícios que mantêm ativos fluxos financeiros e redes operacionais. O resultado é uma lei que não desestimula a prática criminosa e um sistema prisional que não desconecta lideranças de suas bases econômicas.
O que propõe o marco legal em debate no Congresso
Segundo o entrevistado, avança no Legislativo um pacote estruturante, reunido no projeto conhecido como PL 2646, que busca recuperar a capacidade dissuasória da lei penal. A proposta amplia penas quando há associação criminosa, cria tipos específicos para domínio territorial e econômico, e restringe progressões para lideranças, com inspiração em modelos como o 41 bis italiano. Além disso, conecta crimes aparentemente menores como receptação ao contexto de organização criminosa, elevando o patamar das penas e reduzindo a reincidência operacional.
O especialista defende ainda separar regra e exceção. A regra envolve reforma penal para punir e descapitalizar organizações em todo o país. A exceção vale para situações de disputa de soberania local, como áreas urbanas sob controle de facções, nas quais seria possível adotar protocolos temporários, semelhantes a operações de imposição de paz reconhecidas internacionalmente. Enquanto isso, essas medidas deveriam ser delimitadas no tempo e no território, para evitar abusos e preservar garantias.
Bukele é modelo para o Brasil
Martins considera que a experiência salvadorenha comprova que enforcement reduz o crime, porém não deve ser copiada de forma automática. O Brasil é maior e mais complexo, e requer uma solução calibrada por realidades regionais. A combinação de legislação dissuasória forte, justiça célere e operações integradas já demonstrou capacidade de conter ameaças quando bem coordenada, como visto em ações recentes no Rio de Janeiro.
Para o convidado, a raiz do problema e a solução residem no Congresso. Reformas ocorridas entre os anos 1970 e 1980 teriam retirado a vítima do centro do sistema penal e priorizado uma visão garantista, que ignora a materialidade do dano social. Por outro lado, cresce um movimento de ajuste legal, liderado por parlamentares de diferentes correntes, com propostas que articulam aumento de penas, foco em lideranças e reforço do cumprimento integral de sentenças para casos graves.
Cooperação internacional pode acelerar resultados contra o crime organizado
O especialista relata que o Brasil já se tornou plataforma relevante na geografia criminal internacional, com um terço da cocaína que chega à Europa passando por portos brasileiros. Nesse sentido, uma agenda de alto nível com Estados Unidos e União Europeia, poderia ampliar financiamento, inteligência e prioridade de alvos, além de padronizar práticas de investigação e de rastreio financeiro. A chave está em elevar o tema da esfera policial para a esfera de governo, com coordenação política contínua.
Quais passos estratégicos ajudam a destravar a segurança?
- Recolocar a vítima no centro da política criminal, com foco em dissuasão e incapacitação;
- Tipificar domínio territorial e econômico e punir severamente lideranças;
- Vincular crimes acessórios à associação criminosa, elevando penas e reduzindo benefícios;
- Restringir progressões e benefícios para integrantes de alto escalão;
- Prever protocolos temporários para situações excepcionais, com governança e controle;
- Integrar cooperação internacional para financiamento, inteligência e rastreio de fluxos.
A entrevista no BM&C Talks indica que o país dispõe de capacidade operacional nas polícias e no Ministério Público, mas carece de uma lei que aumente o custo esperado do delito e desconecte financeiramente as facções. Além disso, uma concertação política ampla pode viabilizar reformas que alinhem o ordenamento à realidade atual, sem abrir mão de garantias fundamentais. Enfrentar o crime organizado demanda um pacote estrutural que una legislação eficaz, justiça funcional, operações integradas e cooperação internacional, com prioridade total à proteção da sociedade.