O ministro Luiz Fux é dono de uma personalidade complexa e pertence a uma minoria dentro do Supremo Tribunal Federal – a dos magistrados que têm experiência pregressa como juízes (os demais são Kassio Nunes Marques e Flávio Dino). Mas ele, que chegou à cadeira indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, cada vez mais se consolida como uma voz destoante ao espírito de corpo que surgiu em torno das posições defendidas pelos colegas Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Neste sentido, ele se torna uma espécie de líder da oposição no Supremo.
Em declaração dada em plenário nesta semana, ele atacou mais uma vez o comportamento de alguns de seus pares. “O STF tem sido usado como megafone para narrativas políticas, o que prejudica a seriedade e a imparcialidade da corte”, afirmou. “Eu, que tenho quase cinco décadas de magistério, sendo professor, considero lamentável que a seriedade acadêmica tenha sido deixada de lado por um rasgo de militância política.”
Curiosamente, uma de suas decisões recentes parece ter sido tomada por uma motivação diferente da análise puramente técnica do processo. Estamos falando da decisão que inocentou o ex-presidente Jair Bolsonaro da chamada “trama golpista” ao mesmo tempo que condenou o tenente-coronel Mauro Cid. Trata-se de uma contradição flagrante, já que Cid era o ajudante de ordens de Bolsonaro. Se um foi inocentado, a lógica diz que o outro também deveria ser eximido de culpa.
Com viés político ou não, o fato é que Fux se tornou uma espécie de representante da direita na Alta Corte, com um papel mais ativo que o dos magistrados indicados por Bolsonaro, os ministros Nunes e André Mendonça. No último dia 21, ele se manifestou com veemência ao pedir que migrasse da Primeira para a Segunda Turma do Supremo, ao mesmo tempo em que fez uma autocrítica em plenário. Reconheceu que decisões anteriores do STF — inclusive votos de sua própria autoria — geraram injustiças que já não podia sustentar, nem pela consciência, nem pelo tempo.
Fux admitiu que, diante da urgência institucional e da comoção nacional, inicialmente aderiu ao rigor das condenações. Mas, à luz das garantias constitucionais e após análise aprofundada das provas, concluiu que muitos réus não poderiam ser responsabilizados por tentativa de golpe ou outros crimes graves. Segundo ele, condutas desorganizadas, ações isoladas e críticas ao sistema eleitoral não configuram crime de abolição violenta do Estado Democrático ou organização criminosa.
No voto, Fux afirmou: “Há mais coragem em ser justo parecendo ser injusto, do que ser injusto para salvaguardar as aparências da Justiça. Essa é a coragem que eu invoco ao reconhecer que meu entendimento anterior, embora amparado pela lógica da urgência, incorreu em injustiças que o tempo e a consciência já não me permitiam sustentar. O meu realinhamento não significa fragilidade de propósito, mas firmeza na defesa do Estado de Direito.”
O ministro sustentou que um juiz não pode perpetuar o próprio erro, pois isso “trairia a verdade, degradaria a dignidade humana e macularia o pacto constitucional”. Reforçou que a Justiça não deve buscar coerência no equívoco, mas sim perseguir o devido processo legal, dar a cada um o que lhe cabe segundo a lei e garantir proporcionalidade nas decisões.
Em um Supremo cada vez mais coeso, Luiz Fux se destaca por manter uma postura crítica e independente. Sua disposição em rever votos, reconhecer erros e se afastar de decisões tomadas sob pressão institucional revela um compromisso raro com a integridade judicial.
Seu pecado maior junto ao colegiado do Supremo parece ser o de estar alinhado ao conservadorismo (aliás, uma impressão que existia desde a época em que Sergio Moro, liderando a Operação Lava Jato, disse: “In Fux we trust”). Ao assumir que um juiz pode falhar em seu julgamento, Fux reforça que a Justiça não deve buscar coerência no erro, mas sim fidelidade à Constituição. Sua atuação o consolida como uma voz importante no tribunal, lembrando que a divergência, quando fundamentada, pode ser um sinal de coragem e não de fraqueza.