Por João Marcio Souza*
Vivemos um tempo em que tudo parece estar conectado, mas quase nada mais se encontra. Cercados por telas, dados e notificações, confundimos visibilidade com presença e produtividade com propósito. A sociedade moderna parece ter feito um pacto com a velocidade, e, em troca, abriu mão do silêncio, da pausa e, muitas vezes, da alma. Nunca fomos tão informados e, paradoxalmente, tão desorientados. É como se o excesso de tecnologia tivesse nos roubado o essencial: a profundidade das relações, o sentido do trabalho e a serenidade de existir.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han descreve com precisão esse fenômeno ao falar da “sociedade do cansaço”: um mundo onde a liberdade se transformou em autocobrança e o sujeito, esgotado por desempenho e comparação, já não tem tempo nem energia para se reconhecer. O cansaço deixou de ser físico, tornou-se existencial. O progresso técnico, em vez de ampliar a vida, parece ter comprimido o tempo e diluído o humano em fluxos digitais, métricas e expectativas inalcançáveis.
Foi nesse contexto que participei do Talent Connect 2025, em San Diego, um encontro que conseguiu o improvável: falar de tecnologia sem esquecer das pessoas. Durante três dias, especialistas e líderes de todo o mundo refletiram sobre o impacto da inteligência artificial no futuro do trabalho e das organizações. Mas, acima de tudo, falaram sobre o que realmente importa, o humano por trás da máquina.
A psicóloga Susan David, de Harvard, trouxe o conceito de Emotional Agility e lembrou que liderar é, antes de tudo, acolher a complexidade sem perder a integridade. Nomear emoções, aceitar vulnerabilidades e agir com coerência não é sinal de fraqueza, indica coragem. Dan Shapero, COO do LinkedIn, foi igualmente assertivo ao afirmar que a IA já está transformando o mundo do trabalho, mas que o verdadeiro impacto depende das mentalidades humanas que a conduzem. “Fluência em IA, sim; desumanização, não”, disse ele, resumindo o dilema da nossa era.
Jay Shetty, Chief Purpose Officer da Calm, completou a tríade ao propor algo simples e revolucionário: cuidar de quem cuida. Lembrou que produtividade não é sinônimo de presença e que nenhuma transformação será sustentável se ignorar o bem-estar de quem a sustenta. E, por fim, a atriz Demi Moore emocionou ao dizer que “nunca é tarde para sermos vistos e valorizados”. Sua fala sobre dignidade e pertencimento expôs algo que muitas organizações preferem não encarar: o ambiente de trabalho pode ferir, mas também pode curar.
Essas vozes formaram uma síntese poderosa. A tecnologia, afinal, não deve ser espetáculo, deve ser ferramenta. Por muito tempo, vivemos o culto da inovação como se o novo, por si só, fosse sinônimo de avanço. Mas, como advertia Hannah Arendt, o homem moderno corre o risco de confundir a obra que fabrica com o sentido da vida. Quando o homo faber esquece de si mesmo, o progresso se torna vazio. O verdadeiro salto civilizatório não é quando uma máquina pensa, mas quando um ser humano volta a sentir.
A clareza desse diagnóstico me fez voltar com três palavras gravadas: clareza, coragem e propósito. Clareza para discernir o que realmente importa em meio ao ruído; coragem emocional para liderar com autenticidade num mundo que ainda confunde vulnerabilidade com fraqueza; e propósito para reconectar as decisões empresariais a algo maior do que o resultado trimestral. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, escreveu que “a busca de sentido é a força primária do ser humano”. Talvez seja por isso que tantas empresas, embora tecnicamente avançadas, existam em crise: perderam o sentido no caminho. Confundiram missão com marketing, cultura com slogans e pertencimento com discurso.
O futuro do trabalho, e da própria liderança, não será definido pela inteligência artificial, mas pela inteligência emocional. A IA já consegue reconhecer padrões, mas apenas o humano é capaz de reconhecer pessoas. Somos nós que damos significado aos dados, empatia às decisões e alma às organizações. A vantagem competitiva das próximas décadas não será algorítmica, será ética e afetiva. O século XXI começou deslumbrado pela tecnologia, mas sua maturidade exigirá algo mais difícil: a coragem de permanecer humano. Entender que o verdadeiro progresso não é o que acelera, mas o que aproxima. Não o que automatiza, mas o que humaniza. Porque nenhuma máquina será capaz de substituir um olhar sincero, um gesto de empatia, um ato de escuta.
Se quisermos um futuro que continue sendo humano, será preciso resgatar o que perdemos pelo caminho: o acolhimento, a afetividade, o cuidado e a consciência de que o trabalho, antes de ser uma função econômica, é uma expressão de sentido e de pertencimento. É hora de lembrar que a tecnologia pode ampliar nossas possibilidades, mas é o humano que ainda define a direção. E talvez, no fim das contas, o verdadeiro avanço esteja em reaprender a caminhar juntos.
*Coluna escrita por João Marcio Souza, CEO da Talenses Executive e Sócio Fundador do Talenses Group
As opiniões transmitidas pelo colunista são de responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a opinião da BM&C News.
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