Nos anos 1970, o mundo foi obrigado a reconhecer uma verdade incômoda: recursos naturais estratégicos não são apenas mercadorias, são instrumentos de poder. O choque do petróleo, provocado pela ação coordenada dos países árabes produtores, não foi apenas uma crise energética. Foi uma inflexão geopolítica. Países historicamente tratados como fornecedores periféricos passaram a negociar em posição de força, impondo condições às grandes potências industriais. O petróleo deixou de ser apenas energia e tornou-se soberania.
Cinco décadas depois, o mundo atravessa uma transição ainda mais profunda. O centro do poder global desloca-se dos combustíveis fósseis para os recursos que sustentam a economia da descarbonização. Água potável, energia limpa, previsibilidade energética e estabilidade climática tornaram-se fundamentos concretos da competitividade entre nações. Nesse novo tabuleiro, poucos países ocupam posição tão privilegiada quanto o Brasil.
O Brasil concentra cerca de 12% da água doce superficial do planeta, possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo e reúne escala rara em energia solar, eólica e biomassa. Em termos estratégicos, esses ativos equivalem, no século XXI, ao papel que o petróleo desempenhou no século XX. São os “novos petróleos” da economia global.
A diferença decisiva está na leitura do momento histórico. Os países árabes compreenderam rapidamente o valor político e econômico de seus recursos. O Brasil, até agora, não.
Água e energia limpa continuam sendo tratadas como abundâncias naturais, quase como acidentes geográficos, e não como instrumentos centrais de política econômica, industrial e diplomática. O país exporta energia embutida em commodities de baixo valor agregado, desperdiça água em cadeias produtivas ineficientes e permanece ausente do debate global sobre segurança hídrica e energética. Enquanto isso, nações com escassez estrutural desses recursos constroem narrativas, padrões regulatórios e posições de comando nos fóruns internacionais. Esse atraso não é técnico. É estratégico.
Assumir posição de força não significa fechar-se ao mundo ou adotar protecionismo primário. Significa negociar a partir da consciência clara do próprio valor. Significa compreender que energia limpa não é apenas custo baixo, mas vantagem competitiva estrutural. Cadeias industriais inteiras — hidrogênio verde, siderurgia verde, fertilizantes sustentáveis, data centers, química de base e agroindústria de baixa pegada ambiental — só se viabilizam onde há energia limpa abundante e água em escala. O Brasil reúne essas condições como poucos países no mundo.
Ainda assim, o país hesita. Falta tratar água e energia como temas de segurança nacional, com planejamento de longo prazo e estabilidade regulatória, blindados de improvisações eleitorais. Falta transformar esses ativos em alavancas reais de atração industrial, tecnológica e financeira, e não apenas em discurso ambiental. Falta, sobretudo, assumir protagonismo diplomático: deixar de pedir reconhecimento e passar a estruturar agendas globais.
O choque do petróleo ensinou ao mundo que quem controla o essencial define regras. O século XXI está redefinindo o que é essencial. Água potável e energia limpa não são mais pautas ambientais — são vetores de poder econômico, político e social.
O Brasil enfrenta uma escolha histórica. Pode converter seus novos petróleos em prosperidade, influência e futuro para sua população, estruturando uma estratégia nacional coerente com a nova economia global. Ou pode repetir o padrão conhecido: assistir à história passar enquanto exporta barato aquilo que deveria sustentar riqueza duradoura e poder negociador. Os recursos já existem. A janela de oportunidade, não.
*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam
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